Zélão

Quando tinha meus treze anos tive um colega de escola que se chamava José, mesmo trinta anos atrás esse nome não era comum em crianças, e por ser muito alto, ganhou o apelido de Zélão.

Ele era sério com cara de poucos amigos e quando estava em uma festa ficava encarando alguém até arrumar confusão, mas quem o conhecia melhor acabava entendo ser o jeito dele, que não era nada pessoal.

Zélão, tinha suas esquisitices, era muito direito ao falar, por exemplo se convidado pra ir a algum lugar que ele não quisesse, dizia simplesmente "não", sem desculpas ou explicações, e se perguntado o por que, respondia "por que não quero", as vezes isso o fazia parecer grosseiro, mas ele ou não percebia ou não ligava.

Ele me espera no portão de casa, pra ir pra escola comigo, já que morava duas ruas além da minha, e na volta me deixava em casa, nunca aceitando convite pra entrar.

Tinha também por hábito colocar a mão entre as grades dos portões das casas pelas quais passávamos a caminho da escola, pra acariciar cachorros de estranhos, muitos deles latiam de maneira ameaçadora e se assustavam com a audácia do menino que tentava alcança-los com a mão.

Parecia não ter a noção do perigo, tentava também acariciar gatos de rua, que todo eriçado deixavam claro pra todos, que não queria aproximação, pra todos menos pro Zélão.

Mais de uma vez tive que agarrar a camiseta dele pelas costas e puxar na minha direção pra evitar que fosse mordido, ou arranhado por um gato, nessas ocasiões ele sempre virava a cabeça pra mim e dizia: - Vai rasgar!

E eu soltava a camisa, descrente da tolice.

Embora fosse maior que eu e um ano mais velho, eu achava que tinha que cuidar dele.

Perto do final de ano tinha um trabalho em grupo pra fazer, e um colega chamado Marcelo ofereceu sua casa como local de encontro, ele morava na última casa da última rua do bairro, depois era mata do governo, mesmo assim ficava mais perto da escola que a minha casa. Ele acabara de se mudar pra lá, entrou no meio do ano na escola, e parecia ansioso por novos amigos.

Sua casa era um sobrado pequeno e antigo, com três degraus da calçada a até a porta, e ao passar pela porta pouco mais de um metro havia outra escada de frente pra porta, uns cinco degraus até um patamar depois virava pra outra direção e continuava subindo até o segundo andar, ao lado esquerdo ficava a sala com uma janela do mesmo lado da porta, fechada por uma cortina pesada, uma poltrona e um sofá virados pra uma mesinha com uma TV, que ficava no meio da parede embaixo da rampa da escada, e no fundo uma porta que eu acho leva pra cozinha.

Marcelo entrou primeiro e foi logo subindo as escadas sumindo na curva, depois entrou Zélão, e como fui o último virei pra fechar a porta, depois fui andando em direção a escada e subi um degrau, quando percebi que Zélão, não estava na minha frente, ficou parado ao lado da escada olhando o canto debaixo da rampa onde não tinha nada.

Olhei pro lado e vi o Zélão, estender o braço pra debaixo da escada, e tive a mesma sensação de quando ele colocava a mão entre as grades dos portões na rua, eu me virei e debrucei sobre o corrimão, esticando a mão e agarrei sua camisa pelo ombro, puxando pra trás, antes mesmo de ver por cima do ombro dele um vulto escuro de forma quase humana, se desfazer na ponta dos dedos enquanto ele fechava a mão com força como se fosse agarrar algo que tentava escapar.

Ele se voltou pra mim e disse : - Vai rasgar!

Eu não soltei imediatamente, continuei segurando, inclusive o fôlego, até ele encostar na minha mão com a mesma mão que tocou no vulto, fria como se segurando gelo.

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