Tia Margarida

Este relato foi-me contado por uma pessoa da família que foi testemunha ocular do evento e confirmada por outros entes. Isto se passou a cerca de quinze anos antes de eu nascer, e irei trocar os nomes do casal até porque o marido ainda está vivo. Eu os chamarei então de tios.

Naquele tempo, as coisas eram mais difíceis que hoje, e ir para outra cidade era uma aventura. Como a família era pobre, e a cidadezinha em que eles moravam tinha poucos recursos em matéria de comunicações. Só havia as possibilidades de transmissão via rádio amador (um luxo, mas que era destinado apenas para emergências e o havia rádio apenas na polícia) ou telegrama. Explico isto apenas para situar a história para aqueles que não entendam a dificuldade.

Tia Margarida e tio Jorge eram um feliz casal. Lutavam contra as dificuldades e a família vivia em harmonia. Tio Jorge trabalhava viajando, e tia Margarida ficava em casa cuidando dos filhos. Mas, mesmo jovem, tia Margarida ficou doente, sendo acometida com um tumor cancerígeno em uma das mamas. Com os parcos recursos que dispunha a medicina no início dos anos sessenta, este diagnóstico era fatal. Portanto, tia Margarida fora condenada a uma triste morte.

Com o agravamento da moléstia, meu tio precisava trabalhar dobrado e ele teve que ficar muitos dias fora. Exatamente naquela semana, tia Margarida agonizando, queria muito rever o marido talvez para se despedir dele. A testemunha falou que ardendo em febre ela chamava-o insistentemente.

Mas, quando enfim conseguiram encontrá-lo, e ele pode retornar ao lar, o pior aconteceu: a esposa faleceu durante a madrugada e ele só conseguiu chegar durante o início da tarde. Quando ela já havia sido banhada (como era costume da época), vestida e colocada no caixão.

Quando ele chegou próximo ao corpo, ficou tristemente acariciando suas mãos e falando baixinho e chorando aos seus ouvidos. Como a testemunha era criança, ela me disse que foi a cena mais comovente que ela assistiu e tirou-lhe o sono durante várias noites devido o impressionismo da situação.

Então, o que aconteceu assustou a todos, inclusive as carpideiras que entraram em pânico e começaram a rezar cada vez mais forte. Tia Margarida aos poucos abriu os olhos!

Eu penso que talvez ela não estivesse morta, ou o evento fosse resultado da rigidez post mortem. Eu não sei, não tenho certeza.

A testemunha falou que ela manteve os olhos abertos durante o tempo em que o tio Jorge esteve próximo a ela e os fechou enquanto chegava a hora o enterro. A testemunha contou que sua mãe, sendo parente, aproximou-se dela e rezando acabou fechando-lhe as pálpebras manualmente e falou para que ela fosse embora em paz para Deus que havia lhe chamado.

Tio Jorge nunca se casou novamente, embora tivesse a chance de concluir este desejo (caso ele tivesse) com várias namoradas posteriores. Mas eu acho que por respeito ele não quis, ou gostou da liberdade. Não sei, eu raramente falo com ele, e com a chegada da velhice e da solidão ele está um tanto ranzinza. Mas eu nunca toquei no assunto, e acho que nenhum familiar também.


Jaqueline Cristina