Ser estranho na noite

Olá a todos, venho compartilhar com vocês algo que aconteceu há alguns anos, e que até hoje me traz algumas dúvidas. Perdoem-me, mas o texto ficou bem extenso, porém foi necessário para que o acontecimento ficasse mais detalhado.

Durante minha adolescência, por conta de alguns fatos particulares e enormes diferenças de opiniões, resolvi me mudar para a casa de meu tio, irmão de meu pai, onde fui recebido por ele e sua família (esposa e duas filhas, que tenho como irmãs muito queridas, a mais velha infelizmente já falecida aos 18 anos, por conta da irresponsabilidade de um motorista) com todo o carinho possível, o qual eu já não era mais acostumado desde a perda de meu pai aos 8 anos.

Pois bem, eu e minha prima, quase de minha idade, quando não estávamos na escola ou com alguns amigos, andávamos sempre juntos, realmente tínhamos um pelo outro o carinho de dois irmãos muito chegados, já que desde muito novinhos éramos super apegados, ainda mais depois que fui "adotado" por este tio.

Como minha tia dedicava-se muito a nós e a seus afazeres domésticos (éramos quatro pessoas, isso gerava muitas roupas para lavar e reforçados almoços para preparar) quase não lhe sobrava tempo para cuidar de si mesma durante o dia, por conta disso, sempre que precisava fazer as unhas ou cortar seu cabelo, acabava tendo de marcar estes compromissos para depois que chegávamos em casa, normalmente depois do salão ter fechado, pois como era amiga de longa data da dona do estabelecimento, esta a atendia sem problemas e com maior atenção, por ter já dispensado as habituais clientes. Muitas vezes, como é comum às donas de casa, o papo estendia-se até mais tarde, e nestas ocasiões, eu e minha prima fazíamos questão de buscá-la, pois isso nos permitia falar de nossas novidades, nossos namoros e planos futuros mais à vontade, além de que meu tio vivia atolado em provas para corrigir e planejamento de aulas para preparar, pois era professor em duas escolas do estado e orientador em ainda mais um colégio particular, e quase nunca podia ir ao salão para buscar sua esposa.

Na cidade onde morávamos (Taquara, há uns 70 km de Porto Alegre, capital do estado) havia ainda muitas "vilas" que por serem mais afastadas do centro, recebiam iluminação precária e tinham suas ruas em chão batido. No nosso caso, para chegarmos até o salão, ou cortávamos caminho por um enorme campo de gado, ou seguíamos pela mais antiga rua da cidade (a "estrada velha"), mal iluminada, toda de decrépito calçamento centenário e chão batido. Por ser a rua mais antiga da cidade, ainda mantém seus casarões da época colonial e campos de pasto, e estava (está até hoje...) um tanto abandonada. Também esta estrada mantém as mais escabrosas histórias de acidentes, assassinatos e crimes, na memória dos mais velhos habitantes, desde o início da história da cidade, que hoje conta com mais de 150 anos. Mas vamos a história:

Certo dia, em torno das 22:00, sexta feira, quando nos dirigíamos ao objetivo citado, resolvemos que tomaríamos o caminho da estrada, pois como havia chovido recentemente, o campo por onde atalhávamos deveria estar todo enlameado. Da estrada, conseguíamos avistar quase todo o nosso habitual atalho, caminhando paralelamente a ele, pois era em um campo aberto, com poucas árvores e um pequeno matagal, e embora não houvesse nenhum poste de luz funcionando, a lua iluminava o caminho muito bem... E em dado momento do caminho, notamos uma pessoa vindo ao longe, em direção contrária à nossa, só que pelo atalho que havíamos evitado. Imaginamos que era nossa mãe, e começamos a acenar para que ela nos visse e viesse ao nosso encontro. Quando aquela pessoa aparentemente nos viu, virou-se imediatamente para nós, porém ao invés de contornar o mato para chegar a estrada, começou a vir por entre os arbustos e árvores, o que achamos estranho, por ser bem mais trabalhoso. O pavor começou quando notamos que não era ela, e sim algo que quanto mais se aproximava, aparentava ficar cada vez mais alto, o que não era o caso de nossa mãe, que era de estatura baixa.

Quando aquilo já estava mais próximo, e aparentando ter uns quase três metros de altura, notamos que não era alguém normal, por ser muito alto, porém extremamente vagaroso e desengonçado. Ainda víamos somente seu perfil, recortado contra a luz da lua, mas posso garantir que era mais alto que as árvores ao redor. Minha prima, já apavorada, apertou meu braço quase a deixá-lo roxo, e tentava arrancar-me do lugar em que eu estava com toda a sua força, mas eu não conseguia parar de olhar para aquilo, que, agora já bem mais perto, aparentava ter aproximadamente quatro metros de altura, tranqüilamente. Quando consegui parar de olhar e notar o medo que minha prima estava sentindo, notei que eu mesmo também estava tremendo, e começamos a correr, no escuro, pisando em poças e lama da estrada, na direção da próxima rua, onde esperávamos que houvesse alguma lâmpada e pessoas. Enquanto corríamos, olhamos para o lado, em direção à cerca de arame farpado que separava o campo da rua onde estávamos, e vimos como que se a sombra daquilo, estivesse vindo em nossa direção, como se fosse uma cobra, arrastando-se no chão.

Encontramos nossa mãe, e voltamos pelo mesmo caminho, sem nem olhar para o lado, temendo ver novamente aquele ser estranho, e quando chegamos em casa, longe dos ouvidos céticos de meu tio, contamos o acontecido para ela e para minha avó, que nos disse que meu pai e meu tio, quando jovens, detestavam passar pela mesma rua durante a noite, pois lhes parecia que as sombras sempre lhes perseguiam. Até pouco antes de falecer, minha amada prima confirmava de olhos arregalados esta história, e embora anos depois ríssemos e tentássemos encontrar uma explicação lógica para aquilo, foi muito estranho e, no momento em que aconteceu, apavorante.

Hoje sou um cara bastante cético, casado e consciente do mundo físico que nos cerca, porém, esta experiência e ainda outras que pretendo contar, nunca foram explicadas logicamente, me deixando com certas dúvidas até hoje.


Pøisønøus