Polenta

Minha comadre conta um episódio curioso acerca de sua filha Betty. Na época, meu compadre ainda estava vivo, e seus filhos ainda eram crianças. Como minha comadre trabalhava fora, era vendedora porta-a-porta, ela pouco parava em casa, e como existe a preocupação comum a todas as mulheres que tem que sair e deixar os filhos sozinhos, todas nós tememos que aconteça algo de ruim com nossos filhos, ou que eles não nos obedeçam e acabem fazendo alguma besteira.

E foi o que aconteceu com a Betty, embora o que ela fez não seja considerado arte ou falta de formação. Ela, coitada, cometeu um erro que todos nós podemos cometer, mesmo adultos.

O que aconteceu foi o seguinte: durante uma tarde, antes um pouco de meu compadre chegar do trabalho, uma "amiga" de minha comadre bateu à porta da casa e entregou à Betty uma travessa de polenta com molho de carne moída. Essa mulher falou que era para a menina dar para o pai porque sabia que ele gostava muito de polenta e ela resolveu fazer para agradá-lo.

Como naquele tempo as crianças eram bobinhas e inocentes, ela aceitou a polenta e comeu um pouco. Por sorte minha comadre chegou antes do marido e viu a tal polenta e perguntou à Betty de onde vinha aquilo. Então a menina contou, e minha comadre logicamente ficou furiosa.

Ela jogou a polenta fora, brigou com a menina por ter comido, mas fez um escarcéu danado com o marido por causa do suposto interesse dele pela mulher. Fizeram um brigão, e a coisa acabou sendo esquecida.

Mas, passados alguns dias, a menina ficou doente. Ela tinha pesadelos, sofria de diarréia, mesmo aos dez anos chegou a voltar a urinar na cama durante a noite. Entre outras coisas, como uma gripe que não passava. Até que ela começou a sofrer de dores de cabeça e começou a brigar com as crianças na escola. Minha comadre chegou a ser chamada à escola pela professora, que queria saber o que estava acontecendo na família, pois a menina que era quietinha, meiga, educada e prestativa, não estava prestando atenção às aulas, brigando e falando palavrões, coisas que conhecendo muito bem essa família, tenho certeza que eles não falam destas coisas perto das crianças.

O que parecia normal, comportamento comum para pré-adolescentes e o sofrimento da puberdade, minha comadre resolveu levá-la ao médico da família na esperança e saber como lidar com aquela situação. Até mesmo para saber de algum psicólogo que por ventura o médico conhecesse.

Com sorte, o médico que era espiritualista, mesmo não praticando a filosofia no consultório, parece que logo entendeu o que estava se passando. Minha comadre ouviu ele falando que aquilo não era nada, que iria passar. Então o médico se levantou e trouxe um copo de água e deu para a menina beber.

Minha comadre a princípio não entendeu nada, mas voltou para casa com a Betty. À noite, antes de irem dormir, a menina começou a sentir náuseas, ter tonturas e segundo minha comadre, começou a vomitar polenta com carne moída! Ela disse que a menina vomitou polenta a noite inteira, mais nada, não vomitou outros alimentos. E ela disse que a Betty não havia comido nada de milho naquele dia. Fazia dias que ela tinha comido a tal polenta, cerca de semanas. Depois disso ela se curou e voltou a se comportar normalmente.

O engraçado é que conversando com a Betty, mesmo tendo se passado mais de vinte anos, ela não se recorda nem da tarde que recebeu o alimento. Ela só sabe quem é a mulher, mas segundo ela, não se lembra de nada naqueles dias, nem das brigas na escola.


Jaqueline Cristina