O pequenino

Eu estava indo para uma fazenda no interior de São Paulo para um feriado prolongado (9 de julho). A minha namorada, Andréia, cochilando no banco do lado. Eu abri a janela para a brisa fria me deixar alerta. Eu estava dirigindo por uma estradinha secundaria pavimentada, já no interior do estado, no meio do nada, só tinha uma floresta densa na minha direita e um descampado enorme com alguns aglomerados de arvore aqui e ali na minha esquerda. Não havia casa nenhuma, nem iluminação na estrada. As únicas luzes eram a do meu farol e a luz fraca da lua. Eu queria ter saído bem cedinho na manhã de sexta, mas o pessoal do trabalho da Déa precisou dela no último minuto, então acabamos saindo lá pelas oito horas da noite. Como eu queria aproveitar ao máximo o feriado, não quis esperar para sair no dia seguinte e perder parte do sábado no carro.

Então lá estava eu, acho que era lá pelas dez da noite. Dirigindo por uma estrada quase deserta, com só o meu farol iluminando a estrada à frente e a lua iluminando um pouco a paisagem ao meu redor. Eu notei um pouco de vapor saindo das frestas das laterais do capô do meu carro. Isso não era incomum de acontecer, sendo um carro antigo, com luzes de aviso fracas demais e com mangueiras que pareciam saber a hora mais inoportunas para arrebentar. Adicionando a isso, um radiador que superaquecia no verão ou quando usado por um longo período de tempo. Como era inverno eu não liguei muito para o radiador, e como dizem "o que os olhos não vêem o coração não sente". Mas algo realmente estava soltando vapor debaixo do capô, então eu acordei a Déa e expliquei que tinha que parar.

Enquanto eu diminuía um pouco a velocidade, Déa baixou a janela dela e olhou para a linha escura daquela muralha de árvores. "Ali," ela falou, apontando para a frente, "a uns 20 metros lá na frente, tem um acostamento de terra." Diminuindo a velocidade, me sentindo seguro por nenhum carro ter passado a gente já fazia alguns quilômetros, eu vi o acostamento, de terra, comprido o suficiente para caber dois carros, à direita da estrada. A área de terra, assim como toda a lateral a estrada, era beirada pela grande massa de árvores da floresta, dando a aparência de um semi-círculo cortado ao meio pela estrada. Eu encostei e desliguei o carro - deixando as chaves no contato. Eu peguei uma lanterna e com os faróis ligados, eu sai do carro e fui para a sua frente, abrindo o capô ver o que tinha acontecido.

Como já imaginava o radiador tinha superaquecido. Eu abaixei um pouco para dar uma olhada entre a abertura do capo e a parte de cima da frente do carro, para olhar para a Déa pelo pára-brisa. Eu ia pedir para ela trazer a garrafa de água que eu guardo atrás do banco do motorista, para que quando esfriasse um pouco eu colocasse mais água.

Esperando ver ela cochilando, ou me olhando, eu fiquei surpreso de ver ela olhando com os olhos arregalados, com a boca aberta, na direção da janela do motorista. Ela estava pálida como um fantasma. "O que você está fazendo?" eu perguntei para ela. Ela continuou olhando para o descampado, apenas levantando o braço na direção em que estava olhando. "O que?" eu perguntei, voltando para o carro. Enquanto eu voltava eu olhei para o descampado que estava iluminado pela lua. Eu vi um agrupado de árvores lá no fundo, um pinheiro solitário mais perto na linha da traseira do carro, e a uns trinta metros, quase que paralelo à estrada, um pequeno muro de tijolos de mais ou menos um metro de altura. Um pequeno bosque começava a uns quarenta metros de onde o muro acabava. "E?" eu falei, "Provavelmente parte de uma casa antiga ou de um muro. O que tem de mais a parede?" Enquanto eu entrava no carro e fechava a porta para esperar o motor esfriar, ela falou - baixo e devagar - "Não é o muro de tijolos. Foi o que eu vi olhando para a gente de traz do muro." Eu olhei para ela e falei "Que? Para de enrolar." "Fica quieto!" ela falou, "Se eu..." aí ela parou de falar de repente, e o olhar dela passou de mim para a parede.

Eu virei para olhar para o muro. Eu vi uma pequena forma humanóide, branca como a lua, meio arqueada, com um pouco menos de um metro, parada na frente do muro. A única coisa que dava pra ver no seu rosto eram dois pontos negros que pareciam ser os olhos. Deu dois passos na nossa direção, com os seus braços finos arqueados. Eu gritei (se você estivesse lá, também iria gritar), e tentei acender a lanterna. Eu sabia que a bateria estava fraca e tinha que dar uma chacoalhada e empurrar o botão devagar para ligar, mas no meu desespero a minha chacoalhada deixou a tampa solta e quando eu empurrei o botão de ligar com tudo, as baterias saíram voando. Como as baterias agora estavam rodando pelo chão do carro, eu resolvi deixar a lanterna de lado. Eu olhei para cima, vi o capo aberto e congelei.

"Ele esta indo embora..." Déa falou. Eu olhei para o campo de novo, bem a tempo de ver aquela....coisa.... correndo pela borda do muro para trás dele. Enquanto Déa fechava a janela dela, eu disse que ia fechar o capô - dane-se a água, se o radiador não pifasse de vez nós pararíamos mais adiante para colocar água. "Me da a garrafa, eu ponho um pouco no reservatório e fecho o capô, você liga o carro." Déa falou. Enquanto ela saia e ia para a frente do carro, eu virei a chave. O motor resmungou tentando ligar. Eu olhei pela abertura do capô para a Déa colocando a água, e então para o muro e de novo para ela. Quando ela fechou o capô eu olhei para o muro, para ver a pequena cabeça branca daquela coisa nos espiando por sobre o muro.

"Entra no carro!" eu gritei, enquanto as pequenas mãos da criatura seguravam o topo do muro, e ela pulou sobre ele, apresando nos seus pés, correndo. Correndo na nossa direção. Déa pulou no banco do passageiro trancando a sua porta. Ela não estava mais com a garrafa, que ainda devia estar pela metade de água, mas diante das circunstâncias, eu não estava muito preocupado com isso. Eu virei a chave e nada do carro pegar. "Ai meu Deus!" Déa murmurou. Eu não queria olhar. Eu virei a chave de novo, e de novo nada do carro pegar. Déa quase deitou em cima de mim, esticando o braço para travar a minha porta com uma mão e fechar a janela com a outra (era uma dessas janelas de manivela). "Vai!" ela falou assustada enquanto sentava no banco dela de novo. Com mais uma tentativa o carro finalmente pegou, e enquanto eu pisava fundo no acelerador, eu olhei para o campo. Aquela coisa estava a apenas alguns metros da beira estrada - da beira do OUTRO lado a estrada, graças a Deus, mas perto o suficiente para que eu pudesse olhar o seu rosto. Onde deveria haver olhos tinha apenas dois buracos negros e a sua boca estava aberta agora, escancaradamente aberta, e estava cheia de pequenos dentes pontudos. A sua pele ou superfície parecia estar toda chacoalhando enquanto ela corria para o carro.

Enquanto nós íamos a toda pela estrada, eu olhei para o espelho retrovisor para ver aquilo - já lá atrás, virando para o outro lado e seguindo a estrada. Eu olhei a estrada à frente. Então Déa soltou um grito. Ela estava virada para trás, olhando para aquilo também, mas agora ela estava sentada direito, com a a sua cabeça entre as mãos. Eu mexi no espelho para frente e para trás procurando aquilo, mas eu só vi a estrada - aquela coisa já tinha ido embora.

Nós dirigimos mais uns vinte minutos ou mais com o carro a soltando vapor uma boa parte do tempo. O carro superaqueceu de novo enquanto entravamos em uma cidade, só então Déa me deixou parar o carro. Enquanto nós estávamos parados e esperávamos no primeiro posto que vimos, eu perguntei o que aconteceu. "Eu estava olhando aquela coisa, ela parou na beira da estrada." ela falou "Eu sei," eu falei "eu vi ela indo embora." "É," ela falou "estava indo embora. Mas enquanto ia, a cabeça virou toda para trás, e estava sorrindo, vendo a gente ir embora." Não preciso nem dizer que quando voltamos nós saímos 10:00am, para ter certeza que chegaríamos em casa bem antes do anoitecer.


Guilherme - SP - São Paulo