Metaleiros no convento

Há alguns anos meu irmão foi integrante de uma banda de rock destas de garagem. E este pitoresco relato com jeito de anedota foi me contado por ele e pelo seu amigo Thiago. Estes dois personagens foram os mesmos que foram atacados pelo misterioso macaco do meu relato "Coisas de nós, caipiras". Curiosamente, estes eventos ocorreram na mesma época, final dos anos 90, onde os festivais de boa música ainda eram muito procurados e não havia ainda o triste hábito das Haves com aqueles horríveis ruídos chamados de música, e os jovens se drogando por todo final de semana.

Bem, o relato é o seguinte: a banda formada por jovens cabeludos de cara amarrada foram participar de um festival em uma cidade cuja localização não sei bem ao certo, só sei que para chegar eles tiveram que sair do estado de São Paulo e dirigiram por um dia e meio. Esta cidade abriga um convento cuja madre superiora era tia de um dos integrantes. Por isso, eles tiveram "a sorte" de ficarem hospedados no convento.

Dá pra imaginar a cena: seis caras horrorosos, vestidos de jeans surrado e rasgados, com as barbas por fazer, tatuagens e tudo mais; pernoitando em um sagrado convento de freiras. Mas, o que a princípio desagradou a maioria, eles ficaram felizes com a boa receptividade das esposas do "Jujus" (leia-se Djudjus, o apelido carinhoso que meu irmão fala do Sagrado Mestre Jesus) e da comida fresquinha que elas cozinharam para eles, com as leguminosas colhidas na horta do convento.

Eles se instalaram na ala dos hóspedes, fizeram o show, e como estavam mortos de cansados, retornaram logo para o colégio. Como também pelo respeito inspirado pela santidade do lugar, eles não beberam, nem fizeram nada (nem se drogaram, até porque a tríade "sexo, drogas e rock'n roll" está presente apenas nos idiotas que acham que vale a pena, pois drogas são de uma bestialidade ignóbil) que justificasse o tal ocorrido em posterior.

A simpatia das irmãs contrastava com a feiúra das instalações do convento. Os rapazes falaram que o prédio era muito velho e claustrofóbico durante o dia, mas que quando caiu a noite aquilo sim parecia com os conventos horripilantes da maioria das histórias que conhecemos das moças que morreram de tristeza enterradas vivas pela força dos costumes ou das famílias.

O Thiago que como todo bom roqueiro, cuja fama é um verdadeiro engodo, ou seja, a aparência de satanista é uma grande propaganda enganosa (que digam Ozzy Osbourne, King Diamond, Gene Simons, e todos que assistem aos realitys shows onde estes se apresentam como tremendos tapados e bonachões), meu amigo realmente não é uma das pessoas mais corajosas que conheço. Contou-me que, para eles irem para o quarto, era preciso subir uns três lances de escadas e seguir por um corredor, cujas lâmpadas eram fracas, e pior, as lâmpadas ficavam propositadamente iluminando as estátuas dos santos em tamanho naturais ao pé da escada e pelo corredor afora. O que dava mais arrepios de pavor para quem não estava acostumado com aquelas visões. E as estátuas em si já eram um espetáculo à parte.

Terminado o jantar, ele já estava com muito sono e com dores na coluna, rapidamente subiu na esperança de se atirar na cama e dormir a noite inteira. Mas, quando ele subia os degraus, ele ouviu uns passos de alguém que descia lentamente, pois a passada era pesada e lenta, parecendo que seria uma freira idosa que descia com dificuldade. Então ele parou e ficou esperando a freira descer, o que não aconteceu. Os passos continuaram a descer até que cessaram antes da virada do lance. Ressabiado, ele imaginou que seria alguém tentando assustá-lo, mas como não viu nada ou ninguém, ele seguiu apavorado para o quarto e cobriu a cabeça com as cobertas até dormir.

Durante a madrugada meu irmão falou que ele acordou lá pelas três da manhã com um barulho de passos pelo quarto e achou que fosse alguém indo ao banheiro. Mas ele não ouviu a porta se abrir, e pior, ele ouviu um estrondo semelhante a uma coisa tivesse caído no chão, seguido de uma corridinha apressada. Ele abriu os olhos e viu o Thiago enrolado nas cobertas, pálido e com os olhos arregalados. Meu irmão deu de se levantar, mas foi impedido por uma leve negativa de cabeça do Thiago. Os outros três rapazes dormiam pesadamente e roncando, pois não tinham ouvido nada dentro do quarto. Meu irmão olhou de soslaio pelo quarto e percebeu que havia um vulto negro parado embaixo de um grande crucifixo preso na parede. De repente, o vulto parece que se encolheu e desviou para outro canto vindo em direção da cama do Thiago.

Bem, eles não me contaram, mas como eu conheço meu irmão há uns trinta anos e o Thiago a uns quinze e sei da "coragem" deles, o Thiago deve ter dado um pulo em direção à cama do meu irmão e tentado se enfiar debaixo dos cobertores (não, não foi um ataque de Brokebach Montain, foi medo mesmo!). Com o susto, meu irmão pulou da cama e viu o tal vulto erguido novamente atravessar a porta e eles ouviram os barulhos de passos indo pelo corredora afora.

Eles ficaram parados olhando para cara um do outro e quando tomou coragem eles foram até a porta e abriram-na (o que fez um ruído, pois ela era muito velha acordando mais alguém da banda) e a visão assustadora das estátuas sacras iluminadas afastou de vez a possibilidade deles saírem dos aposentos à procura da tal "freira curiosa". Eles voltaram para cama em silêncio e como lá pelas quatro e meia todo o convento acordava, e o barulho das rezas e do trabalho daquelas senhoras impossibilitava qualquer sonho profundo depois daquele horário.

Eles se levantaram, tomaram café e partiram com certeza de que nunca mais iriam novamente dormir em local como aquele, mesmo se fosse para fazer um concerto pro Papa, pois se naquele simples convento, com as mais amáveis freiras eles já haviam passado apuros com a assombração, imagine como seria assustador pernoitar em um Mosteiro europeu construído em plena Idade Média.


Jaqueline Cristina