Marilha

Eu estou para contar um história que até os dias de hoje fazem o pelo na minha nuca arrepiar e faz o meu joelho tremer feito gelatina.

Aconteceu a pouco mais de um ano, mas para mim ainda parece que aconteceu na semana passada. Eu tinha acabado de arranjar um emprego e precisava de um lugar para ficar. Qualquer lugar, para falar a verdade. Eu tinha acabado de ser despejada do meu apartamento (tive uma discussão feia com o proprietário, e pra se vingar, ele me botou pra fora), então estava morando na casa do meu namorado, mas para conseguir chegar no trabalho estava levando quase duas horas e para voltar para casa tinha dia que levava três horas. Eu já não estava mais agüentando isso, não tinha dinheiro para um carro e estava realmente precisando desse emprego. Então eu acabei encontrando uma casa para alugar mais perto do trabalho. Era uma casa pequena e bem antiga no meio de um mar de prédios. Não era lá grande coisa, tinha muita coisa que precisava arrumar, mas o aluguel era bem barato.

Depois de olhar mais um pouco por outras opções por ai, eu vi que não conseguiria coisa muito melhor, então acabei me mudando para lá mesmo. A casa tinha sido construída a mais de 70 anos atrás.

Quando eu me mudei para lá, tudo estava bem, nada de anormal. As vezes a casa ficava fria, mas eu não via nenhum problema nisso. Eu não passava muito tempo lá dentro, graças ao meu chefe escravizador, então não me incomodava muito com os problemas da casa. Então, depois de umas cinco semanas, eu ouvi pela primeira vez. Os gritos. Gritos de deixar o cabelo em pé e os pelos arrepiados. E os passos, pesados, firmes, que me assustavam ainda mais, pois eram acompanhados do som de algo sendo arrastado. Eu achei que poderia ser o vizinho, um casal que vivia brigando e gritando um com o outro, então eu apenas ignorei o barulho. Até que eu ouvi os passos vindo pelo corredor, arrastando algo junto. Eu chamei a policia na hora. Eles, é claro, não acharam nada.

Eu comecei a ouvir aqueles sons quase todas as noites, várias vezes, por quase um mês, até eu decidir enfrentar o intruso. O meu namorado estava passando a noite comigo, foi então que eu decidi que já era hora de enfrentar os meus medos. Eu não queria fazer isso sozinha. Ele quase nunca tinha tempo para ir lá na minha casa, por causa do trabalho, por isso ele não tinha ido antes.

Nós esperamos, até que o grito ecoou pela casa. O meu namorado já não era mais o super herói que tinha ido passar a noite comigo depois de ouvir aquilo, mas ele foi na frente, procurando a origem do grito.

Estava vindo de um quarto no fundo da casa, no andar de cima. Assim que entramos, o quarto ficou completamente gelado, dava para ver a nossa respiração saindo da boca. O nosso coração disparou quando vimos uma imagem que ficará queimada na minha retina para sempre. Um homem, alto e magro, um pouco transparente e com um leve brilho saindo do seu corpo, nos encarava com os seus olhos negros e desalmados do outro lado do quarto, com um corpo ensangüentado e mutilado caído aos seus pés. Um grito congelou na minha garganta e o meu coração parou junto com a minha respiração. Eu queria fugir, correr o mais rápido possível dali, mas as minhas pernas não me obedeciam. O homem levantou um pouco a cabeça, ainda nos encarando maliciosamente.

"Você acha que eu não te vi, Marilha? Você acha que eu não vou fazer o mesmo com você?" ele falou apontando para o resto do corpo aos seus pés. Isso foi o suficiente para eu conseguir recuperar o controle do meu corpo. O meu namorado e eu corremos pelo corredor e logo atrás eu podia ouvir os passos.

"Eu posso ver você! Você não pode se esconder de mim! Dói muito, querida! Mas vai estar tudo acabado quando eu terminar! Marilha! MARILHA!!!" Ele berrava atrás da gente.

Nós estávamos no carro do meu namorado e já bem longe antes de falarmos alguma coisa. Não preciso nem falar que eu me mudei daquela casa. A minha mãe pegou as minhas coisas depois e eu nuca mais vi aquela casa.

Eu não tenho idéia do que aconteceu naquela casa, não sei quem era aquele homem e nem me chamo Marilha. A única coisa que eu consigo imaginar é que aquele cara matou alguém e essa tal de Marilha deve ter visto tudo. Não sei o que aconteceu com ele (obviamente morreu, mas não sei como) e nem o que aconteceu com essa Marilha, mas o homem continua naquela casa, assombrando o quarto do fundo.


Déia - SP - São Paulo