Herança maldita

Morava no interior de Minas Gerais e acabei vindo morar no Rio de Janeiro, uma vez que havia herdado uma chácara que por sinal era maravilhosa, com bastante verde e uma casa bem antiga, mas era uma casa grande com vitrais, escada com grade trabalhada, cinco quartos, dois grandes banheiros, um outro banheiro menor, uma piscina que precisava de reparos, pois faltavam alguns azulejos. Enfim uma casa bastante tentadora e com a vantagem de já estar mobiliada com vários móveis antigos e como minha família tinha uma situação bastante confortável e eu podia manter a chácara, resolvi que não iria vendê-la e sim morar nela.

Na verdade, ninguém de minha família havia morado nela, porquê ela era parte do pagamento de uma dívida passada há muitos anos atrás e a casa meio que ficou abandonada durante todos aqueles anos, porquê ninguém se interessou em morar nela, mas quando houve uma divisão de bens devido à morte de um parente, eu recebi a chácara como parte da herança. E como fiquei fascinada pela chácara e era apaixonada pelo Rio de Janeiro, não houve oportunidade melhor que esta.

Estava toda animada com a minha nova residência, gostava de fazer eu mesma a maior parte das coisas para deixá-la como desejava. E passados umas três semanas, estava eu na imensa sala e sentada em uma cadeira de balanço, fazendo planos e olhando os vitrais coloridos que deviam ser bastante antigos por sinal. Estava olhando fixamente para um destes vitrais que ficavam justamente no final do corredor, nos fundos desta imensa sala quando de repente eu vi sair do banheiro e cruzar o corredor e passar para um quarto que ficava embaixo, uma mulher de vestido escuro, ela não olhava para os lados, simplesmente cruzou o corredor e entrou no quarto. Fiquei ali parada hipnotizada e sem acreditar, era uma mulher muito real para mim, não podia ser imaginação, tanto que passado o primeiro susto, acendi as outras luzes e fui caminhando devagarzinho em direção ao quarto que ela entrou, mas só me deparei com a mobília antiga e um grande e imenso armário com um espelho oval maravilhoso, mas não havia nenhum sinal da mulher. Sabia que não era ilusão de ótica aquilo, tinha certeza do que tinha visto.

Passados uns três dias do ocorrido, estava arrumando a casa, limpando ela durante a noite e as lâmpadas do corredor em toda a sua extensão, ficaram fracas e piscaram algumas vezes, acabaram apagando e voltaram normalmente e continuei a fazer as minhas arrumações e dali há vinte minutos mais ou menos o mesmo aconteceu com o lustre da sala. Fiquei meio apreensiva, fui até a caixa de fusíveis na cozinha, mas não vi nenhuma coisa que pudesse indicar algo errado. Então já meio cansada fui escovar os dentes e dormir e quando estava na pia ouvi um forte barulho de portas batendo, mas eu já havia trancado tudo. Fui com cuidado examinar cada porta, mas estava tudo normal como havia deixado.

Mais alguns dias e estava na beira da piscina vendo um luar maravilhoso junto com dois amigos meus e ficamos ali papeando e bebendo, quando eu saí para pegar gelo, meu amigo disse que iria ao banheiro e minha amiga continuou lá na beira de piscina. Quando eu voltei, ela estava olhando fixamente para cima, mais precisamente para o andar de cima da casa. Eu perguntei o que estava olhando e ela disse que tinha visto uma mulher abrir a porta da varanda de cima e sair, cruzar a varanda toda e entrado em outra extremidade da casa. Falou que não sabia que eu tinha mais alguém em casa e falei com ela que realmente não tinha mesmo. Ela disse que tinha visto uma mulher de cabelos presos junto a nuca como se fosse um coque e andou por toda a varanda e depois entrou por outra porta do outro lado da varanda.

Aquilo me fez arrepiar todinha, disse que havia visto uma pessoa assim na sala semanas antes e ela se benzeu. Nesta mesma noite esses meus amigos e eu, estávamos já dentro de casa quando ouvimos barulho de água na piscina como se alguém estivesse mergulhando nela, mas quando corremos para a janela em direção à piscina não havia nada, nem sequer água jogada para fora da piscina.

Cheguei um dia em casa e após colocar uma camisola para dormir, estava soltando o cabelo e fui em direção a janela descompromissadamente, quando de repente observei uma luminosidade alaranjada que piscava e outra luz vermelha que também piscava incessantemente, foi quando dei por mim e reparei que era o carro estacionado lá embaixo e o pisca alerta estava ligado sozinho. Sabia que não havia ligado o pisca alerta, ainda mais dentro da chácara. Para que eu iria utilizar o pisca alerta? E mesmo porque ali era silencioso demais e iria ter percebido o barulhinho que faz depois de ter desligado o carro.

Passaram-se os dias e já não me sentia tão confortável assim dentro daquela casa. Um dia estava trovejando e chovendo bastante e naquele dia estava tendo um sério problema de queda de luz e para piorar, estava chovendo demais. Resolvi sair da cama e conferir se as luzes já haviam voltado e graças a Deus já estavam funcionando. Resolvi ir ao banheiro e quando voltei, olhei para porta da entrada da frente, a qual consistia em uma porta imensa de madeira e acima da porta havia um vidro grande em forma de meia lua dividido em três. Me tremi toda, havia uma pessoa, um rosto, colado no vidro olhando para dentro, mas não parecia totalmente humano porquê os olhos pareciam quase saltar das órbitas, eram quase duas bolas brancas bastante arregaladas olhando para dentro da casa, fazendo com que eu soltasse um grito e corresse para longe e ao olhar de novo, não havia mais nada ali.

No dia seguinte, reparando com mais atenção, não havia como uma pessoa ficar ali fora porque não havia nada para que pudesse se apoiar ou escalar sequer, mesmo que conseguisse subir com o pé pela maçaneta, não tinha onde segurar as mãos ou se prender. Além do mais, não teria altura para chegar ao vidro, era bem alto a distância entre a maçaneta e o vidro para que pudesse olhar para dentro. Eu tinha certeza de ter visto algo, era um rosto, mas os olhos eram imensamente grandes e brancos, quase saltando do globo ocular, horripilante mesmo.

Ficava cada dia mais assustada e angustiada, mas como não eram diariamente os fatos esquisitos, acabava dando tempo para me refazer dos sustos e continuar em frente. Teve um dia inclusive que fui pegar uma lata de conserva na despensa. Era um pequeno quartinho e depois de ligar a lâmpada, estava lá dentro procurando a conserva quando senti um frio grande e algo emitir um som do tipo OOOOOUUUUUU!!!! Quando olhei para porta ela bateu com violência, fiquei gelada de medo, me apoiei na porta e segurei a maçaneta, mas ela abriu com facilidade, já estava pensando que iria ser igual as cenas de filme de terror que a porta não abre, mas abriu normalmente, o que me deu um certo alívio.

Um dia havia chegado de uma festa e já era de madrugada e quando subia as escadas, de repente eu não enxerguei nada, tudo ficou escuro, como se tivesse ficado cega, fiquei desnorteada e ao virar para trás o pé resvalou nos degraus abaixo e simplesmente rolei a escada, acabei parando lá embaixo e batendo com a nuca no ferro da grade lateral, mas não perdi os sentidos, fiquei só parada sem entender muito o que havia acontecido, estava enxergando normalmente. Ouvi neste momento barulho de portas batendo por toda a casa. E quando me recompus, comecei a subir as escadas e estava ainda me limpando quando arrisquei um olhar para cima e vi uma mulher gorducha cruzar parte do segundo andar até sumir, pois de onde estava não conseguia ver direito, fiquei apavorada.

Comecei a ter dificuldades para dormir e rolava na cama para conseguir pegar no sono. Estava ficando em frangalhos. Estava pensando justamente nisso quando já havia entrado na chácara com o carro e estava passando por uma pequena estradinha rente a uma ribanceira já dentro da chácara para chegar na garagem quando o pneu da frente do carro saiu da estradinha, me apavorei fazendo um movimento brusco com o volante e acabei por derrapar e mergulhei na ribanceira. O carro caiu de uma altura de cerca de cinco metros, deslizando no barro e capim e parando lá embaixo quando bateu com toda força em um pequeno morro de barro no final da ribanceira. Eu estava sem cinto de segurança e acabei arrebentando o vidro com a cabeça e como o carro ficou bastante inclinado saí pelo para brisas. Por incrível que pareça sofri apenas arranhões superficiais, um imenso galo e um pequeno corte na cabeça.

Retirei o sapato de salto que usava e usei uma parte menos íngreme para chegar na estradinha, andei o resto do caminho e depois subi alguns degraus para chegar na lateral da casa. Tomei um banho pois estava com barro e toda suja de terra. Enquanto estava colocando álcool nos arranhões eu ouvi nitidamente o barulho de passos no andar de cima, quase que correndo e o barulho de uma voz OOOOOUUUU!!! dali a um tempo o barulho de alguma coisa mergulhando na piscina.

Dormi no sofá da sala e acordei já eram umas onze horas da manhã, estava me sentindo toda dolorida e o corpo todo doía. Fiz um café bem forte e resolvi trocar de roupa e sair dali para espairecer e quando cheguei no quarto vi minha colcha toda rasgada, como se garras tivessem rasgado ela todinha, estava incrédula. Minha penteadeira também tinha um vidro de perfume quebrado e o outro estava espatifado do outro lado do quarto como se tivesse sido arremessado na parede com toda a força, tinha a marca do perfume espirrado e escorrido na parede.

Tratei de limpar aquela bagunça e saí dali, chamei o reboque do seguro e fui para casa de amigos, que acabaram me aconselhando a ir no hospital ver se não havia quebrado nada. Depois resolvi aproveitar e visitar a minha faxineira e descobrir porquê ela não apareceu mais na minha casa, pois estava intrigada e achando que ela podia me adiantar alguma coisa ou descobrir algo. Ela morava alguns quilômetros e peguei um táxi ali perto e rumei para lá. Ela me disse que estava trabalhando para outras patroas e não tinha mais tempo para me atender, então eu disse a ela que tudo bem, mas se eu poderia fazer algumas perguntas. Perguntei se ela havia notado alguma coisa de esquisito na casa e ela sem me encarar disse que na última vez que esteve na chácara, estava enrolando a mangueira de água do jardim quando começou a ouvir um barulho como de alguém amolando faca na cozinha e quando meteu a cara pela janela viu uma mulher amolando uma faca e rindo baixinho freneticamente com os olhos fixos na faca. Ela foi até o quartinho e catou suas coisas e saiu fora o mais rápido possível dali. Achava que estava correndo risco de vida. Nunca mais apareceu. Fiquei ali imóvel ouvindo ela me falar tudo aquilo.

Continuava a ouvir barulho como se alguém tivesse mergulhando na piscina e saía correndo para a janela do quarto para ver e não tinha nada, ouvi no andar de baixo um dia o barulho de risadas e quando desci parecia que nada havia acontecido, só ouvia os grilos lá fora. Um dia, acordei com algo fungando no meu ouvido, fiquei sentada observando, acabei voltando a dormir, pois as vezes acabava tomando um calmante, uma vez que um amigo meu que era médico me receitou um bem leve e acabava fazendo um efeito forte porquê não estava acostumada com isso.

Um dia minha tia estava comigo em um final de semana e quando nos preparávamos para dormir, subimos as escadas e quando passamos pelo segundo quarto olhamos as duas automaticamente para dentro e vimos alguém dormindo na cama. Ela disse: mas o que é aquilo? eu tratei logo de correr para acender a outra luz do corredor para gente enxergar melhor e ela correu comigo para não ficar sozinha e quando voltamos para ver melhor, não havia absolutamente nada, ficamos paradas no corredor olhando para dentro. Então eu me aproximei e meti a mão no interruptor, acendi a luz, mas o quarto estava normal, mas tanto eu como ela vimos alguém ali deitado, parecia que estava em uma espécie de paletó escuro ou preto e eu me lembro nitidamente que calçava sapatos, deitado em cima da cama. Isto eu lembro inclusive com bastante clareza.

Houve um dia que acordei apavorada e ensopada de tanto suor, mas não sabia o que havia acontecido, na verdade era um pesadelo. Acabei caindo da cama e procurei acender a luz do abajur e ela piscou e queimou. Levantei e liguei a do quarto que também deu um clarão bem forte e apagou e não consegui mais fazer ela ligar. Precisei acender uma das luzes do corredor para que alguma luz funcionasse. Tratei de tomar outro banho de tão suada que estava.

À vezes ficava tão cansada de algum sobressalto que estava sempre alerta e isto me cansava ainda mais. Fiz um banho de espumas na banheira para poder relaxar um pouco e fiquei ali um bom tempo de olhos fechados e relaxando. Deixava a porta do banheiro aberta, uma vez que só eu que morava na casa então não tinha problema nenhum. Estava eu na banheira e de repente senti uma sensação de frio forte e que continuou a aumentar e logo depois a impressão de alguém correndo pelo corredor de tábuas corridas fazendo um grande barulho, como se alguém ou alguma coisa tivesse correndo e caído quase em frente à porta do banheiro, só que não conseguia ver nada porque estava dentro da banheira e da posição em que estava tinha visão parcial do corredor. Puxei a toalha, cobri meus seios e me encolhi, fiquei em silêncio, naquela horrível expectativa e assim ficou por algum tempo. De repente alguma coisa se arrastando bem perto da porta do banheiro, mas nunca chegava até em frente. Dava um tempo e voltava a se arrastar. Aquilo era enlouquecedor. Saí da banheira quando a água já havia esfriado e eu batia o queixo de frio.

Resolvi dar uma festa para descontrair o clima e convidei várias pessoas da família e alguns amigos. Falei que poderiam chamar quem quisesse, desde que me avisasse para que eu soubesse a quantidade das coisas. Deixei as pessoas circularem livremente pelos aposentos, apenas tratei de trancar o meu quarto ou guardar também coisas valiosas, já que havia muitas pessoas estranhas na festa. Estava tudo correndo bem, com música, comida, bebida, mas sem excessos. E quando fui na porta da casa me despedir de um convidado, fui chamada para ir até a piscina e pediram para eu olhar para cima. Haviam duas convidadas histéricas agarradas na grade da imensa varanda do andar de cima, elas gritavam e pareciam realmente apavoradas. Os outros convidados foram acudi-las, uma delas torceu o pé, pois resolveu descer pela varanda e pular no gramado. Ninguém conseguia entender o que estava acontecendo.

Passados alguns minutos para que se acalmassem e todos nós juntos lá tentando saber o que havia acontecido (eu particularmente já imaginava alguma hipótese), e elas falaram meio descontroladas que estavam lá na varanda e resolveram descer, então ao voltarem pelo corredor ouviram umas passadas fortes em direção a elas e algo berrando no ouvido delas, sem que tivesse mais alguém ali e aquilo continuou berrando no ouvido mesmo elas tendo voltado correndo. Foi o suficiente para que ambas fizessem o trajeto inverso e voltassem correndo pelo resto do corredor, entrassem para varanda novamente, fossem até o final da varanda e ficarem encolhidas pedindo socorro para os demais convidados lá embaixo.

Como não queria ficar a base de calmantes constantemente, acabei me mudando para uma pequena casa perto de uma prima minha e isto já faz alguns anos. Não recordo com muito ânimo aquele período, uma vez que foi bastante estressante. Soube que houve um assassinato na casa depois que me mudei de lá.


Ylca - RJ - Rio de Janeiro.