Eu sou a larva

Essa foi uma experiência muito traumática que aconteceu comigo, justamente por começar a acontecer em uma idade muito nova. Eu estava com 7 anos.

A primeira vez que eu vi ela foi em uma noite de Maio. Eu lembro que estava fazendo muito frio. Eu estava dormindo tranqüilamente quando acordei no meio da noite. Não sei por que acordei, mas eu tinha perdido todo o sono. Então eu me virei na cama e olhei o outro lado do quarto. Lá estava ela, atrás da porta. O quarto estava levemente iluminado por causa da luz do banheiro que ficava acesa. Mas mesmo se aquela luz não estivesse acesa, eu teria visto ela. Era uma garota, de uns 12 anos. Uma fraca luz azulada emanava dela, como se fosse uma névoa. Eu não consegui prestar muita atenção nela, eu estava com muito medo para reparar em algum detalhe. Então ela abriu a boca e uma voz horrenda saiu. Uma voz rouca e grossa, que falou "Eu sou a larva". Depois disso eu soltei um grito de puro pavor. Pouco tempo depois os meus pais entraram correndo no quarto, o meu pai na frente. Quando ele abriu a porta, ela tampou a visão da garota. Eles me perguntavam o que era, o que tinha acontecido, mas eu só conseguia gritar. Então a minha mãe me abraçou e começou a tentar a me acalmar, o que funcionou de certa forma. Então eu apontava para a porta e falava "A larva, a larva" O meu pai pareceu entender que alguma coisa atrás da porta tinha me assustado, e foi olhar o que era. "Não tem nada aqui filho, o que aconteceu?" E eu só apontava para a porta e falava "A larva, a larva". Eu tinha ficado tão assustado que eu acabei me molhando todo. A minha mãe então me pegou no colo e me levou para tomar um banho. Eu não conseguia falar nada ainda, e os meus pais não tentaram me perguntar mais nada. O resto daquela noite eu dormi no quarto deles com eles.

No dia seguinte a minha mãe tentou perguntar para mim o que tinha acontecido. Eu não quis falar sobre o assunto, e ela entendeu. Provavelmente eles devem ter pensado que eu tive algum pesadelo e ficou por isso mesmo. De noite, um pouco assustado, eu fui para o meu quarto dormir. Eu não consegui dormir a noite inteira, pensando naquela garota. Qualquer barulho pela casa eu já sentia o medo tomando conta de mim. Mas ela não apareceu. Nem na noite seguinte, e nem na outra. Com o tempo eu fui esquecendo do que tinha acontecido.

Um pouco menos de um ano depois, 3 semanas depois de eu completar 8 anos, ela voltou. Eu lembro que era de noite, e estava chovendo forte lá fora. Eu acordei apertado para ir ao banheiro. Eu levantei e fui até lá. Enquanto estava terminando de fazer o que tinha ido lá para fazer, a luz acabou. Eu não fiquei muito assustado, só dei a descarga e voltei devagar para o meu quarto, tomando cuidado para não chutar a parede ou alguma outra coisa pelo caminho. Alguns raios caiam e iluminavam o corredor uma vez ou outra. Cheguei até o meu quarto e abri a porta, e em cima da cama estava ela, em pé no meu travesseiro. Dessa vez eu consegui prestar um pouco mais de atenção nela. Ela tinha cabelos e olhos escuros. Parecia estar muito magra. Estava vestida em uma camisola branca, mas encardida. Ela tinha aquele mesmo brilho azulado saindo dela, como se fosse uma névoa. Ela olhou para mim abriu a boca, uma boca feia e deformada. Faltando dentes, e os poucos que tinha estavam tortos e quebrados. Lá dentro alguma coisa se movia, não era a língua dela, parecia mais ser um enxame de abelhas negras. Então eu ouvi aquela voz rouca e grossa de novo. Ela dizia "Eu sou a larva". Aquela voz parecia rasgar os meus ouvidos. O pânico me fez sair correndo e fui para a sala. Eu fiquei com tanto medo de voltar para o meu quarto ou de ir para o quarto dos meus pais, que eu acabei dormindo lá mesmo. na manhã seguinte a minha mãe perguntou por que eu estava dormindo lá. Eu falei que tinha levantado de noite para ver a chuva e acabei dormindo lá.

Dessa vez eu não fiquei em pânico como da outra, apesar de ter ficado aterrorizado. O que mais me assustou foi o fato de ela estar na minha cama, em cima do travesseiro. Eu sempre considerei a minha cama um lugar seguro, mas agora era um santuário que tinha sido violado e dessacrado, ela nunca mais iria me fazer sentir seguro. Mas eu pensei o seguinte, ela demorou muito tempo para aparecer de novo. Se ela fosse aparecer mais uma vez, demoraria muito tempo, e pensar isso me trouxe um certo alívio. Mas eu estava muito errado.

Dois dias depois, a minha mãe tinha me comprado um monte de estrelinhas que brilhavam no escuro para colocar no teto do quarto (era mania naquela época). Depois de passar quase 1 hora colando estrelinhas e planetas no teto e na parede eu fechei a porta e apaguei a luz para ver como tinha ficado. Eu estava maravilhado com o meu "céu estrelado" dentro do quarto. Então eu vi uma claridade se formando perto da janela. Eu achei estranho, já que não parecia ter nenhuma fonte de luz no meu quarto, além do fraco brilho amarelado das estrelinhas no teto. Então aquela fraca claridade foi aumentando de tamanho e uma bola de luz azulada começou a se formar. Essa bola começou a se expandir e foi tomando forma. A primeira coisa que se formou foi o rosto dela. Parecia estar muito triste. Eu estava completamente tomado pelo medo. Antes que o resto do corpo dela pudesse se formar eu comecei a lutar com a porta para tentar abrir ela. Eu não sei se a garota teve alguma coisa a ver com isso ou se era o pânico, mas a porta não estava abrindo. As minhas mãos estavam suadas e deslizavam pela maçaneta. Quando eu consegui abrir a porta, eu puxei ela não rápido que bateu no meu pé e fechou de novo. Eu comecei a arranhar a porta e a bater nela. Agora eu já não tentava mais virar a maçaneta, só puxava a porta, que não se movia. Eu tentava gritar mas não saia som nenhum da minha garganta. Então eu ouvi aquela voz repetir aquela maldita frase "Eu sou a larva" Então a porta se abriu. Era a minha mãe que tinha me ouvido batendo na porta. Eu sai correndo do quarto sem olhar para trás, em direção da porta da frente de casa. Quando eu estava destrancando ela para sair correndo para fora (até hoje eu não sei para onde teria ido) a minha mãe me interrompeu e perguntou o que estava acontecendo. Eu não conseguia falar nada, só chorava. O fato de eu ter ficado no quarto junto dela, sem poder sair tinha me abalado. Eu achava que ela tinha feito a porta não abrir, que ela estava me prendendo lá dentro.

Dessa última vez a minha mãe ficou preocupada comigo, pois eu tinha ficado realmente abalado. Ela e o meu pai sentaram comigo para tentar entender o que estava acontecendo comigo. Mas eu não queria falar nada. Não queria falar sobre a garota azulada que aparecia no meu quarto.

As noites que se seguiram foram muito cansativas para mim. Eu esperava ver ela a qualquer instante, com a sua boca deformada e o seu brilho fantasmagórico, com aquela voz horripilante falando comigo. Por causa disso eu não dormia. Mas ela não apareceu. Três meses se passaram. Eu já estava mais calmo e estava começando a ficar a vontade no meu quarto de novo. A minha mãe também já estava mais calma, depois de ver que eu estava voltando ao meu comportamento normal.

Até que uma noite, enquanto eu estava dormindo, um vizinho resolveu soltar fogos. Eu acordei assustado com o barulho dos rojões. Para não ouvir o barulho, eu coloquei o travesseiro em cima da cabeça e tentei dormir. Pouco tempo depois o vizinho tinha parado com os seus rojões, mas eu ainda não tinha conseguido dormir. Então eu senti um peso na minha cama, como se alguém tivesse acabado de subir nela, e então eu ouvi a fatídica frase "Eu sou a larva". Eu não olhei nada, só pulei da cama, arrastando junto o cobertor e o travesseiro e me joguei no canto do quarto e comecei a chorar. Todo enrolado no cobertor eu me recusava a olhar se ela ainda estava lá. Eu só falava "Me deixa em paz, me deixa em paz, por favor, me deixa em paz" e chorava muito. O meu pai veio para o quarto ver o que estava acontecendo. Quando ele entrou e me viu no canto encolhido ele perguntou o que tinha acontecido. Achando que ele não ia acredita em mim, eu não falei nada, só falei que tinha tido um pesadelo. Não sei se ele tinha acreditado em mim, mas ficou por isso mesmo. Ela não estava mais lá e eu voltei para a minha cama. Eu pensei que o pior já tinha passado, então tentei dormir de novo. Nem 15 minutos se passaram e eu ouvi a voz dela. "Eu sou a larva". Eu levantei e vi ela de pé, em frente ao meu armário com seus olhos tristes me encarando. Eu sai correndo do meu quarto. Eu estava chorando de novo e fui até o quarto dos meus pais.

Quando eles me perguntaram o que tinha acontecido, eu abri o jogo para eles, e contei tudo. Contei que tinha uma menina que soltava uma luz azul que aparecia de noite no meu quarto e que tinha uma voz feia e que falava "Eu sou a larva". Então eles lembraram da primeira vez que eu tinha acordado gritando no meio da noite e perguntaram se eu tinha visto ela naquela noite, e eu falei que era. Eles perguntaram se eu já tinha visto ela mais alguma vez e eu falei que sim. Falei de todas as vezes que ela tinha aparecido e que tinha aparecido duas vezes naquela noite e que eu estava com medo. Como eu tinha apenas 8 anos, eles não acreditaram na minha história e acharam que era apenas a imaginação fértil de uma criança inventando coisas.

Os 5 meses depois desse ela apareceu mais 3 vezes no meu quarto. As 3 vezes eu entrava em pânico e corria do meu quarto chamando os meus pais. Quando eles chegavam, não tinha mais nada lá. Então eles resolveram que o melhor seria me mandar para um psicólogo infantil. Lá eu conversava com ele e fazia desenhos e contava sobre a minha rotina em casa e na escola. Claro que na época eu não entendia o que estava acontecendo, eu achava que ele acreditava em mim e que era meu amigo. Hoje em dia eu sei que ele só estava tentando achar uma razão para saber de onde as minhas "ilusões" vinham. Mas naquela época nós conversamos muito e isso acabou me ajudando. Ele falou que eu não precisava ter medo dessa menina que ela não me machucaria, e com a ajuda dele eu comecei a controlar o meu medo. Durante o período que eu estava indo ver ele, eu vi ela mais 2 vezes, e nessas duas vezes eu consegui me controlar e não entrar em pânico. Dessas 2 vezes eu observei melhor ela e pude ver mais detalhes, alguns rasgados no vestido dela, algumas manchas, algumas marcas pelo rosto, coisas assim. Mas sempre que eu ouvia aquela frase "Eu sou a larva" eu sentia o meu coração gelar de medo.

Então ela parou de aparecer. Não vi mais ela. Os meus pais acharam que eu estava "curado" e eu só achei que já que ela não conseguia mais me assustar como antes, ela não apareceria mais.

Com o tempo eu acabei "esquecendo" essa história toda. Achava que ela nunca mais viria me visitar. Até que uma noite quando eu estava com 15 anos, quando eu estava vendo TV na sala durante a madrugada eu ouvia aquela voz. Isso me trouxe todas aquelas memórias desagradáveis à tona. "Eu sou a larva". Foi isso que eu tinha ouvido, só que dessa vez não vinha do meu quarto. Eu fiquei em pé na sala e quando me virei, vi ela lá fora no quintal, em frente à janela, com a boca aberta, com aquele enxame de abelhas negras dentro da boca, dizendo novamente "Eu sou a larva". Mesmo sentindo o suor frio escorrer pela testa, e a adrenalina resultante do medo correr pelo meu sangue, eu tentei pela primeira vez me comunicar com ela. "O que você quer comigo?" Ela não respondeu, só me encarava com aqueles olhos tristes e deprimidos. Eu tentei chegar mais perto. Quando estava a um passo da janela, eu vi a tristeza sumir dos olhos dela. Agora eles estavam se enchendo de raiva e o rosto dela começava a se estampar com esse sentimento. Eu não fiquei lá para ver o que ia acontecer. Sai correndo para o meu quarto, acendi a luz e fiquei lá dentro acordado até o sol nascer.

Eu continuei vendo ela. A última vez que eu vi ela foi a 4 meses atrás. Mesmo com 23 anos eu ainda sinto medo quando vejo ela. Depois de ver o ódio nos olhos dela, nunca mais tentei falar com ela. E já vi ela em casa, fora de casa, na casa de amigos quando dormia fora de casa, mas sempre de noite. E mais ninguém vê ela. Até hoje eu não sei o que ela quer, ou o que ela quer dizer com "Eu sou a larva".


Walter - SP - São Paulo