Cérebro deteriorado

O que vou narrar realmente aconteceu comigo.

Não tenho vergonha alguma em admitir que durante aproximadamente 8 anos da minha vida fiz uso de drogas pesadas (cocaína e crack), hoje graças a Deus estou livre deste mal que tanto prejudicou a mim e a minha família.

Depois de ter aprontado de tudo em busca do meu prazer, resolvi procurar ajuda em vários grupos de apoio, e chegamos a conclusão que a melhor saída para mim era um tratamento intensivo, ou seja, internação. O processo de internação era de nove meses, meu primo(ex-dependente) era Coordenador da clinica onde fiquei, e acabei escolhendo também esta clinica pelo fato de ter alguns amigos lá internados, entre eles o Paulo, que era um alcoólatra, nós o chamávamos de Billy Joey, seu estado de saúde já estava bem deteriorado, e ele veio a falecer durante sua estadia na clinica. A chácara onde estávamos era bastante afastado, não havia iluminação publica na estrada de terra que levava ate a clinica, lá cada um tinha suas responsabilidades, cozinheiro, ajudante de cozinheiro, faxineiro, ajudante de faxineiro, ronda noturna, horta, entre outras. Minha responsabilidade era a ronda noturna, toda noite depois de jantarmos, rezávamos o terço, líamos alguns livros, escrevíamos cartas, entre outras coisas mais, quando eram 23:00 eu apagava os lampiões, fechava a porteira, verificava os animais, etc.

Lembro-me que em uma das minha rondas quando eu estava indo fechar a porteira vi um vulto agachado próximo ao mirante (cruz de madeira bem alta) resolvi voltar e chamar os responsáveis pela segurança do local, mas percebi que este vulto chorava e soluçava, acho que devido ao fato de buscarmos a espiritualidade aquela cena me comoveu e senti vontade de tentar apaziguar aquele coração angustiado, passando um pouco da sabedoria que aprendi estando naquele local, e caminhei sozinho até aquela pessoa, achando que se tratava de um mendigo ou até mesmo um alcoólatra tapado. Para meu espanto quando cheguei bem perto, já estava colocando minha mão sobre o ombro daquela pessoa, pude perceber com a ajuda da luz da lua, que quem estava ali chorando, soluçando, pedindo perdão a Deus pelos seus pecados cometidos era o Paulo, aquele mesmo que havia falecido naquele local, ele virou-se para mim, senti que ele ia dizer algo, mas o pavor tomou conta de todo o meu ser, sai correndo o mais rápido possível, sentia meus calcanhares tocando minha bunda de tanto que eu corri, gritando desesperado, sem olhar para trás, alguns internos saíram de seus quartos para ver o que estava acontecendo, acordei também os monitores e o Coordenador, mas ninguém acreditou no que eu havia contado.

Na outra noite eu não fui fazer a ronda, pedi que trocassem a minha responsabilidade, e assim foi feito, para o meu azar, o novo ronda não viu nada de anormal. Passei a ser perturbado pelo restante do grupo durante todo tempo que estive internado. As pessoas diziam que eu não tinha mais cérebro, ou até mesmo que eu já estava louco devido ao uso de drogas que eu havia feito durante todo este tempo, e que meu estado psicológico já estava bem deteriorado, mas eu juro que o que eu vi, naquela noite foi real e não foi fruto de minha imaginação.


Ricardo