Caixão flutuante

Olá, meu nome é Camila e moro em Dracena, interior de São Paulo.

Eu já vivi muitas coisas "sem explicação", coisas que se movem sem que ninguém esteja próximo, passos, vozes, coisas ou pessoas que não estão ali.

Porém, o que irei contar aqui não aconteceu comigo, e sim com a minha mãe há mais de 40 anos.

Ah! A minha mãe sim, ela tem muitas historias arrepiantes, sobre a qual ela viveu.

Enfim, vamos a história.

Minha mãe ainda era jovem, com mais ou menos uns 15 anos. Ela juntamente com meus avós e meus tios, mudaram para um sítio no Paraná.

A casa para qual se mudaram era enorme, tipo aqueles casarões antigos. Moravam na casa, além da família da minha mãe, uma outra família composta dos pais e 4 filhos.

Naquela época, era comum todos irem em terços nas casas vizinhas, iam em um tipo de caravana... passavam uns nas casas dos outros e iam em procissão até a casa onde ia acontecer o terço.

Vamos dar um tempinho aqui nesta história e fazer um apêndice da mesma.

Na casa em que morava minha mãe era comum os moradores, inclusive a própria progenitora que me deu a vida (eita, que agora falei bonito), ouvirem barulhos durante a noite, mas nada tão assustador. Se ouviam passos, logo acreditavam que eram de um cachorro ou até ratos fazendo farra pelo assoalho da casa...

Voltando a ida ao terço.

Minha mãe ficou amiga da outra moça que morava na casa com ela, que se chamava Cidinha. Então era natural que andassem juntas minha mãe, cidinha e minha tia.

É claro que nessa época os jovens, moços e moças, usavam o terço para paquerar... dar aquela "espichada de zói" nos solteiros da região.

Foram no terço, rezaram o terço, e como de costume, depois da reza os donos da casa ofereciam pão feito em casa, café e ficavam ainda por um tempo conversando.

O senhor que morava na casa onde fez-se o terço, disse para que não demorassem a ir embora, porém não explicou o motivo.

A esposa deste senhor havia há algum tempo presenciado algo que a deixou "pancada" das idéias. Ela estava ali conversando com o povo e do nada dava uma carreira rindo e gritando "toma que é dessa, quer ver, ó".

Ninguém entendia, e riam muito da cara da senhora, lógico que escondido.

E o terço fora feito na casa deste senhor, justamente por conta de sua esposa.

Enfim, todos começaram a se despedir dos anfitriões para assim poderem ir para suas casas.

Cidinha chega na minha mãe e diz que o Tião queria falar com ela.

Tião era o cara mais bonito da região, cobiçado por todas as moças.

Mas minha mãe estava interessada por outro que não tinha ido naquele dia.

Ela ficou surpresa, porquê sabia que Cidinha, dentre todas as outras moças, era a mais interessada em Tião.

Então minha mãe esperou Tião, e com isso, ficaram os dois para trás, cerca de uns 20 a 50 metros do restante do povo.

Já era por volta das 20 horas quando começaram a ir embora.

Tião chegou e disse que Cidinha tinha dito que minha mãe queria falar com ele. Minha mãe disse que ela disse que ele queria falar com ela.

Iam andando, tentando entender qual a intenção de Cidinha, quando a cerca de 50 metros viram que o povo corria.

E aí, de repente, saiu da esquerda para direita da estrada, que era ladeada por mata, um caixão preto flutuando cerca de um metro de altura na frente de minha mãe e de Tião.

Os dois se agarraram e gritaram. E o caixão passando, beeem de vagar, despreocupado com a vida, digo, com a morte.

Depois que o famigerado caixão passou, minha mãe e Tião ainda agarrados um ao outro voltaram a andar, e o pior é que tinham que passar justamente onde o caixão havia cruzado a estrada.

Enfim, foram os dois, minha mãe e Tião, agarrados um ao outro até a casa dela. Detalhe é que a casa de Tião era antes da casa de minha mãe. E só para que fique claro que quando eu digo casa, eu quero dizer que todos ali moravam em colônias e as casas ficavam distantes umas das outras, tipo um quarteirão ou dois se fossemos medir na cidade.

Naquela época não podia ficar abraçados homem e mulher solteira, pois a mulher ficaria falada.

Meu avô tinha tido um AVC e quase não andava, mas falou muito na cabeça da minha mãe e não quis saber da história que tanto ela quanto Cidinha e minha tia tinham para contar sobre o caixão flutuante.

Depois da confusão foram dormir.

E é aqui que, por incrível que pareça, as coisas ficam feias.

Dormiam no mesmo quarto minha mãe, minha tia e a Cidinha.

É claro que antes de dormir o assunto era o caixão que há apenas alguns instantes atrás todos tinham visto.

As 3 deitaram na mesma cama e conversavam sobre o assunto quando ouviram passos no quarto.

Todas se arrepiaram, pois não tinha como alguém entrar sem antes passar pelo quarto dos meus avós. Sendo que a minha vó já estava dormindo e meu avô não andava sem arrastar a perna. Os passos eram pesados e parecia que a pessoa que andava estava usando aquelas botas com esporas.

As três se enfiaram debaixo das cobertas tremendo de medo.

Os passos foram até a beirada da cama, parou, ficou ali por um instante e voltou a andar pelo cômodo, voltou até a cama, nesta hora as três já estavam chorando, tremendo e rezando. Minha mãe diz que naquele dia ela rezou para tanto santo que ela já não sabia quais santos existiam ou não.

Então os passos voltaram até a bera da cama e, de repente, as cobertas foram arrancadas de cima das 3 com um puxão forte, que foram parar do outro lado do quarto. Elas soltaram um grito uníssono e alto, meu avô do outro quarto disse que se fosse lá, elas iam parar de graça apanhando de cinto.

Minha mãe olhou pelo quarto, mas não viu nada, levantou, resumindo a coragem que ela não tinha, correu, pegou as cobertas e voltou para cama cobrindo a si mesma e as outras 2 meninas.

Então ouviram os passos novamente, como que indo até a porta do quarto do meu avô.

Nesta noite, foi impossível dormir, pois haviam muitos passos pela casa, sons de vidros quebrando, copos e panelas sendo arremessados nas paredes, vozes, gritos, enfim, um inferno.

No outro dia, todos estavam um caco. Meu avô estava sentado pensativo embaixo de uma mangueira, e chamou a minha mãe, querendo saber mais sobre o que havia ocorrido no caminho de volta do terço e por qual motivo ela chegou agarrada em um moço.

Ela contou toda a história. Meu vô ficou ali, pensativo por um instante e contou:

"Ontem a noite, quando vocês deram aquele grito no quarto de vocês, eu estava sentado na cama fumando meu cigarrinho de palha, depois que ralhei com vocês aconteceu uma coisa. Eu ouvi passos vindo do quarto de vocês, passos de botas pesadas com esporas, então quando eu olhei para a porta que vinha do quarto de vocês eu vi um 'cabra' (homem) de mais ou menos 2 metros de altura de chapéu, botas e todo o traje de peão olhando pra mim. Eu mais que de pressa escorreguei para debaixo das cobertas para não ver mais. Ouvi ele andando pelo quarto e logo depois foi que começou o trupé de coisas caindo na cozinha."

Decidiram naquele dia ir embora.

Minha mãe foi se despedir dos outros colonos, inclusive daquele senhor que o terço fora feito.

Ele quis saber o motivo da partida repentina e minha mãe contou tudo o que tinha acontecido naquele dia.

O senhorzinho deu um sorrisinho sem graça e então disse:

"É minha fia, eu disse para que vocês não se demorassem de ir embora. Minha véia ficou desse jeito depois que viu esse caixão. Lá onde vocês moram, aquela casa antes era um tipo de pousada, com bar e bordel também, os peões de trecho, aqueles que levam o gado de um estado para outro, e outros viajantes, muitas vezes vinham para se divertir e passar a noite ali.

Ali sempre havia muitas brigas, pois homens que bebem demais e perdem a cabeça por pouca coisa. Ou até mesmo por conta de uma das mulheres da vida que queriam e outro já havia pego antes. E com isso havia muita morte, e nesta mata, dos dois lados, devem de ter pelo menos uns 40 homens enterrados."

Bom, naquele mesmo dia, minha mãe e meus avós juntamente com minha tia e meu tio mais novo vieram embora para o estado de São Paulo, deixando apenas meu tio mais velho para cuidar da venda dos moveis que não poderiam trazer com eles.


Camila