A fazenda dos escravos e o sonho lúcido do meu irmão

Isto aconteceu há muitos anos, no final dos anos oitenta. Foi a época em que eu ganhei um violão de presente de aniversário. Mas o violão encantou mais a meu irmão (futuro músico), embora eu tenha por anos a fio tentado em vão aprender a tocar. Meu pai, percebendo que o acordoamento de aço machucava meus dedos, comprou um acordoamento novo, de nylon, até porque é melhor.

Então uma tarde, eu voltei da aula e fiquei ensaiando até anoitecer, enquanto meu irmão, com uns quatro anos ficou comigo brincando com o instrumento. Terminando as brincadeiras, eu guardei o vilão na capa e coloquei em cima do guarda-roupa, e para não me esquecer de levar as cordas para a professora trocar, deixei o envelope fechado em pé apoiado no violão.

Como meu irmão era pequeno, ele não gostava muito de eu guardar o vilão em um local que ele não alcançava, mas como era hora da janta (que eu me lembre, isto faz muito tempo, e eu não tenho memória de elefante para me lembrar de todos os detalhes) ele não ligou.

Dormimos, e eu fui acordada no meio da madrugada com minha mãe falando no quarto, e meu irmão em pânico, chorando muito. Levantei-me e vi que ela estava rezando e acalmando meu irmão que chorava e gritava apavorado.

Quando ele se acalmou, contou que ele tinha acordado com um barulho do violão - eu não ouvi nada - e no escuro, viu que tinha um ser que se parecia com o "Mancha Negra" em pé no guarda-roupa que estava com meu violão. Ele disse que estava tentando morder o instrumento, mas quando ele gritou a coisa sumiu.

Bem, se tratando de criança, naturalmente foi um pesadelo, mas quando minha mãe pegou o violão para mostrar para ele que foi só sonho, as cordas estavam todas arrebentadas. Logicamente, eu poderia perfeitamente ter esticado todas a ponto de se arrebentarem sozinhas, mas que foi estranho e me deixou apavorada, isto sim deixou, até porque minha mãe ficou apavorada e rezou pra caramba.

A outra história aconteceu mais ou menos naquela época, quando nós fomos passear na cidade de São José do Barreiro, e visitamos uma antiga fazenda de escravos. Fomos eu, minha avó, meu tio e minha tia. Minha avó era a pessoa que mais rezou durante o passeio, pois nessa fazenda ainda guardam o pelourinho, correntes, grilhões e demais instrumentos usados para supliciar os escravos. Até a senzala estava como era antigamente, portanto, a atmosfera era estranha.

Eu andei por lá, e minha avó ficava sempre me chamando porque nesta cidade há muitas cobras, aranhas e escorpiões, e por ela ter me falado nestes bichos, eu fique quieta, porque afinal ver um fantasma era tudo que eu queria (e morria de medo).

Não me recordo totalmente da visita, mas me lembro que ao sair, nós estávamos todos já dentro do carro, e de repente abriu do nada o porta-malas e derrubou justamente minha bola e meu ursinho de pelúcia, pois as outras tranqueiras ficaram lá dentro. Nem e preciso falar que eu levei um susto danado, ainda mais porque minha avó me deu uma bronca falando que se era isso que eu queria, os escravos mostraram.

Eu não sei se estes fatos foram sobrenaturais realmente, mas para uma menina de dez anos foi assunto para assustar a garotada por dias!


Jaqueline Cristina