A babá do além

Quando meu primo nasceu, minha tia Iara ficou muito estressada. Não que ela não tenha ficado feliz com a chegada do pequeno Rodrigo, mas porque o bebê tinha trocado a noite pelo dia.

Por meses o bebê chorava pela madrugada inteira e ia dormir só lá pelas seis da manhã, hora em que meu tio se levantava para trabalhar.

Mas com o passar do tempo e com a chegadas cólicas, as dores da dentição, as febres das vacinas, o menino passou a virar um "morceguinho". Não dormia à noite, só durante o dia. Isso por meses e meses. Até que ele não só chorava, como brincava, fazendo barulhos, o que chegou até a incomodar os vizinhos (tem gente que além de não ter mãe já nasceu adulto), pois sua casa era geminada e no condomínio as casas eram muitos próximas umas às outras.

Segundo a tia, ela mesma tinha decorado todo o calendário. Sabia que dia cairiam todos os dias da semana e as fases da lua de tanto ninar o menino na cozinha, que era o local mais afastado do quarto do casal.

Quando ele já estava com uns oito meses, minha tia já estava à base de medicamentos, e meu tio apesar de ganhar pouco, acabou tendo que contratar uma moça para ajudar nos serviços da casa, para poder minha tia descansar e dormir. Mas como muita gente sabe, sono diurno não é reparador e a gente não descansa tanto como se dorme durante a noite.

Com isso, ela já não sabia mais o que fazer e chorava copiosamente todas as noites devido já ao estado mental de tanto cansaço. Então, certa madrugada, ela falou que estava morta de sono e colocou o Rodrigo para ficar um pouco no berço, já que ele estava quietinho e se sentou na poltrona para descansar um pouco. Então ela começou a ouvir as risadinhas dele e acordou para ver o que tinha acontecido, já que ele estava acordado e fazendo barulho. Então ela viu que entrou no quarto um vulto de uma mulher negra, e sentiu as saias da suposta escrava roçar nas pernas dela. Ela disse que no início se assustou mas não teve o ímpeto de pegar a criança e sair gritando.

Ela sentiu uma paz e "ouviu" uma voz suave dizendo à ela: "Druma, fia. Pode drumi em paz, viu. Que o nenê não vai dá trabaio não." Então ela ouviu uma canção de ninar e o Rodriguinho risonho, foi ficando quietinho e ambos dormiram. Meu tio acordou de manhã e foi ao quarto dos dois e encontrou minha tia roncando pesado no sofá e o bebê cobertinho no berço. Com o barulho dele, ela acordou e falou:

- Nossa Miguel, eu tive um sonho estranho: sonhei que veio uma negra aqui e fez o Rodrigo dormir. O sono tava pesado mesmo e ele também dormiu, graças a Deus!

Então meu tio perguntou:

- Que negra? parecia uma escrava?

Ela falou que sim, que tinha sonhado que uma escrava tinha estado com ela e ela chegou a sentir a saia dela roçando nas pernas dela.

- Ah, não foi sonho não, foi a minha bisavó que foi escrava (eu mesma nem sabia que ele era afro-descendente, ele não tem o perfil de mulato, é branco, de cabelos lisos). Ela cuidava dos filhos do dono dela. Era o dever dela desde novinha, cuidar de criança. Ela foi babá até depois de liberta.

Minha tia disse que depois daquele dia, o Rodriguinho dormia à noite normal e nunca mais ficou a madrugada toda acordado. E anos depois quando minha prima Gabriela nasceu, ela parecia que também não gostava de dormir à noite, mas minha tia que sempre rezava em agradecimento para o espírito da bisavozinha, sabia que às vezes ela vinha ajudá-la, até porque a menina dormia pesado sem mais ou nem menos de repente, mas quando ela sentia a presença da ex-escrava, nunca mais pode vê-la tão nitidamente.


Jaqueline Cristina