Vozes

Conto enviado por: Marcelo - RN - Mossoró

Quando eu me deitei para dormir eu achava que ia ser só mais uma típica noite de inverno. Eu estava errado.

Da minha cama eu podia ver as árvores lá fora, balançando com a fria brisa e as luzes iluminando as ruas vazias, com aquele brilho amarelado. Deitado na cama sem dormir. Já era 1:30 da manhã, eu achava que a essa hora já estaria cansado, mas eu não estava.

O meu irmão, as minhas irmãs e a minha mãe já estavam dormindo, do outro lado da casa. A sala de estar e um longo corredor separava a gente, o que estava bom para mim. Eu gostava do silêncio.

As luzes da rua mandavam um brilho fraco para dentro do quarto. Não o suficiente para fazer tudo no quarto ficar visível, mas acenas o suficiente para quebrar um pouco a escuridão.

Tentando achar um jeito para relaxar e tentar dormir um pouco, eu decidi colocar os meus fones de ouvido e ligar o stereo, só para ter algum som de fundo e fazer a minha cabeça parar de pensar um pouco. Quando eu estava começando a dormir, a música Gangster Paradise do Coolio começou a tocar. A música estava estranha, o coro no fundo da música estava mais forte do as outras palavras, e me lembrava de vozes de um coro de igreja. Na hora uma imagem veio na minha cabeça. Eu sozinho, dentro de uma igreja velha, com grandes colunas e fileiras de pessoas sem rosto num coro, que cantavam tão alto que fazia o meu peito tremer. Aquela imagem estava parecendo tão real, estava me dando um arrepio no corpo todo. Quando eu achava que não ia agüentar aquilo por mais um segundo, uma voz grossa, áspera e profunda com um tom muito grave chamou o meu nome. A voz foi tão alta que eu fiquei paralisado, sem conseguir soltar o grito que subia pela minha garganta. O meu nome. Alguma coisa chamou o meu nome. Após o que parecia ser uma eternidade, apesar de ter sido só um instante, a paralisia passou e eu pulei da minha cama, jogando os fones de ouvido para o outro lado do quarto. O que tinha sido aquilo? Quem tinha falado aquilo? Todos estavam dormindo. Não tinha ninguém na casa que tivesse uma voz parecida com aquela! A voz tinha vindo dos fones, mas aquilo não era possível. Então eu senti. Por causa do medo, eu não tinha notado antes. Eu não estava sozinho. O meu coração estava batendo forte. Eu conseguia ouvir o meu coração batendo. Os meus olhos percorriam o quarto todo. Era impossível. Eu não via ninguém, mas eu sabia que tinha alguém lá. Aquela presença opressora que estava engolindo todo aquele pequeno quarto estava bem na minha frente.

Enquanto os meu olhos não paravam quietos olhando para todos os cantos do quarto, eu vi de relance o que parecia ser a silhueta ou até o reflexo do que parecia ser uma pessoa. Mas então eu lembrei que eu não tinha um espelho no quarto. Eu encarei o canto do quarto, perto de um baú de madeira, o que eu tinha visto não estava mais ali, mas a sensação estava.

Quanto mais eu ficava ali parado, mais a luz diminuía. O brilho da luz que entrava pela janela estava ficando fraco. Eu sabia que tinha que sair de lá, quanto mais eu ficasse, mais o terror me dominaria. Agora o quarto já estava totalmente escuro, eu já não conseguia mais ver o reflexo na luz na maçaneta, mas eu sabia que ela estava lá. Eu tinha que me forçar a correr até o outro lado do quarto e sair de lá. Mas e se o que eu tinha visto estiver na frente da porta? E se a porta não abrir? Bem, era tentar abrir a porta e correr ou ficar louco pensando "e se". Em um segundo eu estava de pé correndo para a porta. Eu podia sentir o vento que se formou com a minha corrida desesperada, esfriando a minha pele encharcada de suor. Eu bati na porta e girei a maçaneta, ela abriu e eu corri para o corredor.

Quando eu estava longe o bastante da porta eu olhei para trás e o que eu vi e ouvi me deixou mais assustado ainda. A voz tinha voltado, mas agora estava mais forte e cheia de ódio. Era um tom de voz meio roco e profundo e falou o meu nome de novo. O que queria comigo? A porta se fechou, tão violentamente que o batente em cima da porta desgrudou da parede e caiu no chão. A minha respiração sumiu e a minha cabeça começou a balançar. Eu ia desmaiar. Eu reuni todas as minhas forças para não deixar a escuridão me engolfar. Eu me virei e fui cambaleando para o quarto da minha mãe, me apoiando na parede para não cair. Eu atravessei a sala, onde tinha um pequeno abajur ligado, mas enquanto eu passava pela sala, eu esperava que a luz do abajur seria engolida pela escuridão, assim como no meu quarto, mas não aconteceu nada.

Quando eu finalmente cheguei no quarto da minha mãe a porta estava aberta e eu podia ouvir a estática da TV ligada. Eu me ajoelhei no chão ao lado da minha mãe, tentando acordar ela, mas não conseguia falar nada, eu apenas fiquei ali parado. Acho que ela deve ter sentido eu olhando para ela, pois ela acordou e virou para mim. Toda a cor do rosto dela sumiu quando ela me viu. Ela ficou lá deitada com a mão na boca, como se acabasse de ter visto a própria morte em pessoa. Ela soltou um grito desesperador, daqueles que rasgam a sua alma, e saltou da cama para me segurar. Foi então que eu notei que tinha suado tanto que a minha blusa estava ensopada e fira quando a minha mãe a apertou contra mim.

Depois de eu ter explicado para a minha mãe o que aconteceu ela não sabia o que pensar. Então ela falou calmamente "venha comigo e faça tudo o que eu disser para fazer". A minha mãe é muito supersticiosa e ela sabia o que tinha que ser feito.

Pela histórias que a minha mãe me contou sobre as coisa que ela tinha visto e pelas histórias que eram passadas de geração em geração, parecia que sempre teve uma luta entre o bem e o mal na nossa família. Ela me levou até o armário dela e empurrou todas as roupas para o lado. O armário tinha um fundo falso que ela tirou, revelando um esconderijo secreto. O que eu vi me gelou completamente. Avia velas acesas iluminando estatuetas e imagens em volta. Santos, santos patronos. A minha mãe sempre rezou por proteção e saúde. Eles estavam todos lá, me encarando com olhos cheio de tristeza, como se soubessem o mal que me atormentava nessa noite.

A minha cabeça ainda estava um pouco enuviada, mas a minha mãe estava concentrada e determinada a expulsar as forças demoníacas que estavam na nossa casa. Ela me deu um velho cálice que tinha escrituras que eu nunca tinha visto ante. Eu pensei que tivesse escrito em espanhol, mas a minha mãe falou que era uma oração que estava escrita em uma língua que foi usada a muito, muito tempo atrás. Ela me deu dois pequenos bastões também. Ela falou que não poderia fazer aquilo por mim porque o que quer que aquela força maligna fosse, estava lá por mim, e somente eu poderia bani-la.

Ela me falou para encher o cálice com água benta e colocar os bastões na forma de uma cruz no topo e colocar no meio do quarto. Ela falou que a oração no cálice e a água benta iriam repelir qualquer que fosse aquela força que estava no quarto de volta de onde tinha saído. Então eu soube que teria que voltar lá.

Enquanto eu caminhava para a porta do meu quarto o meu coração começou a bater forte de novo. E se aquela coisa estivesse me esperando? Eu encostei na maçaneta e tive um flash do que tinha acontecido ali, trazendo todo o terror de volta. Eu abri a porta e o ar estava parado, e a luz que vinha de fora tinha sumido. Cada passo que eu dava, eu o fazia com hesitação. Eu não podia ver nada, mas eu sentia que estava sendo observado.

Alguns minutos tinham se passado e eu ainda não tinha chegado no centro do quarto. Porque eu estava demorando tanto? Então, eu finalmente cheguei, e assim que eu parei de me mexer, eu ouvi um murmúrio vindo do canto do quarto. Dessa vez não teve palavras, só um rosnado. O pêlo da minha nuca arrepiou, minhas mão começaram a tremer. Com as minhas mãos tremendo eu coloquei o cálice no chão e coloquei os bastões em cima dele, e então eu senti uma baforada quente na minha nuca. Eu não me virei. EU não podia! Eu me levantei e fui andando de costas para fora do quarto, esperando que o que quer que fosse que estivesse atrás de mim, se tivesse algo atrás de mim, me deixasse sair.

Eu estendi a mão para trás e encontrei o batente da porta, então eu me virei o mais rápido que eu pude, e corri pelo corredor. Dessa vez a porta não se fechou. A minha mãe estava na sala, esperando do lado do abajur ligado. Agora só tínhamos que esperar. Eu perguntei para a minha mãe quanto tempo demoraria. O que ele me perguntou logo em seguida me deixou confuso. Ela perguntou "você acha que você quis que aquilo viesse?" Eu não sabia o que dizer. Eu nunca respondi para ela. A minha mãe voltou para o quarto dela, mas eu fiquei lá, ouvindo, esperando.

Eu comecei a sentir uma brisa fria no meu rosto, mas quando eu olhei as janelas elas estavam fechadas. Eu levantei e andei até o corredor e ouvi o rosnado de novo e enquanto eu chegava mais perto da porta, ele ficava mais alto. Eu entrei no quarto, mas agora eu já não sentia mais medo. Eu andei até o cálice e olhei dentro dele, a água benta estava lá. estática. Agora a pergunta que a minha mãe tinha me feito voltava para a minha mente "você acha que você quis que aquilo viesse?". Eu peguei o cálice e o segurei na frente dos meus olhos. A água tinha mudado. Não era mais água, mas sim sangue! Agora eu ouvia o rosnado, mas dessa vez estava diferente. Dessa vez ele vinha de mim!