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Vinho
Nas estradas vazias, o carro preto com seus faróis ligados vai a 90km por hora...No banco de passageiros está ela, olhando para a faixa branca pintada no chão, e a sombra da paisagem cerrada se chocando com o céu azul escuro, estrelado e misterioso.
Seus olhos se fixam no vazio de tudo o que passa. Os amantes estão calados, e o cheiro de bebida está no ar, impregnado...É solitário a cena se repetindo, poucas casas, um carro passa de vez em quando, mas estão sozinhos consigo mesmos...Há uma festa acontecendo, todos bebem, se divertem...
"Quero ficar sozinho aqui....Me deixe...Apague a luz e feche a porta!"
Pedro detém ao máximo suas lágrimas, tentar manter a discrição em seu sofrimento...
"Não sei o que há mais para te dizer Pedro...Nas águas que nos banhamos juntos eu procurei as bênçãos, não queria seu sofrimento....Não assim, não por causa dessa dor..."
Há passado, há dor, existem maravilhas mas muitas delas não passam de pura fantasia...
"Eu o vi....Estava amargurado segurando seu copo de vinho, chorando baixinho...Guardava para ele seus gemidos, suas dores e todas aquelas emoções....Sinto tantas saudades suas..."
Sofia sabia que não deixara de amá-lo, mas sabia que o sofrimento de seu amante era permanecer sob o mesmo teto, convivendo com quem o traiu, com quem o fez sangrar...Ouve sempre a mesma música, se senta na grama do jardim para prestar atenção no deserto que cerca sua casa....
"É um sonho...quero acreditar nisso, mas sei que estou despertado...Algo mais que sinto dentro de mim...Não é bem a dor nem a tristeza, acho que é apenas a vontade de me encontrar com ele novamente. Sim, esse é meu sonho secreto...Talvez meus pecados tivessem sido sagrados..."
"A carne nos traiu, a própria carne que nos juntou e satisfez....Os desejos de sangrar e adoecer juntos, os desejos de beber do mesmo vinho, no mesmo copo e nos banhar na mesma água....As brigas traziam o sabor amargo enquanto o sexo e o prazer traziam o doce junto com o gosto salgado de seu corpo...Mas eu sei que eu a amo..."
Toda dor queima dentro da gente, nos faz acreditar no que é incerto e o impuro começa a fazer parte das nossas vidas. Agora cresceram e aprenderam que seu sofrimento é desejado por ambos, assim como seus corpos desejam o toque um do outro....
"Sabe, Sofia, somos como dois amantes que perderam a virgindade juntos...foi com você que aprendi a amar, foi de você que me senti próximo e seguro...Tive a certeza de que eu ia sofrer por ter encontrado a pessoa que mais tarde seria o significado da minha vida...São nossos fetiches emocionais, gostamos de sofrer e nos fazer doer a perda, a rejeição, queremos ser vistos chorando para sermos donos da culpa um do outro e assim ficarmos juntos....eu te amo e sempre soube como olhar em teus olhos..."
Talvez exista um lugar secreto onde podemos conversar com nosso reflexo e correr com nossas sombras, podemos nos iludir....Não ter medo é uma vantagem de quem tem medo de sofrer....Não ter medo é uma vontade de temer as crueldades que aprontamos com nós mesmos.
"As lágrimas no seu rosto Pedro....elas escorrem como sangue em seu rosto...Sinto o sabor amargo quando toco os seus lábios, bebo do teu sofrimento como se fosse vinho...Esse mesmo vinho estava presente no sabor do seu corpo, no suor do seu prazer..."
"Quero voltar a minha antiga realidade Sofia, quero estar olhando para o vazio da escuridão e temendo os monstros vindo me pegar! O cheiro dos doces quando chegava das brincadeiras na rua, sinto falta...Agora sinto apenas o cheiro do seu perfume, dos seus cabelos! Sinto o odor das flores dos teus vasos e em meio disso tudo sinto o ardor do sofrimento....gosto de chorar, gosto de estar aqui no controle de tudo..."
Pedro é seu próprio traidor, assim como seu único amigo. Uma Lua não é sagrada por estar cheia, ela é o começo e símbolo dos romances, é a claridade na névoa da noite, é a luz cintilante que se mantém acesa mesmo com a brisa soprando um pouco mais forte. Sofia poderia deixar ser beijada mas se mantém viva apenas por admirar de longe o que já é seu....Ela vive do sofrimento que ela provoca e ela provoca seu próprio ferimento...
"Fui minha própria arma Pedro, e feri você que jamais teve culpa de nada...O quarto sempre ficava abafado quando era verão e nós o preenchíamos com nossa respiração enquanto dormíamos. Tenho saudades do que era nossas vidas, pois só agora percebo que é agora que preciso estar completa do que me falta...O que me falta é seu amor, sua presença que me fazia chorar nas brigas e que me fazia gozar diante de tantas intrigas, tanto ciúmes..."
"Sabe, ainda posso ouvi-la respirando nessa escuridão calada....meus olhos se fecham e só o vazio do escuro pode me curar da dor...Ainda sinto o quarto abafado mas sei que esse calor vem do meu choro...."
Somos gananciosos demais para vivermos sem prazer, sem carne, sem toque....As pessoas são o vinho que amarga a própria vida, são o sangue que mancham os lençóis brancos, são as águas que bebemos e nos banhamos...
"Quando as coisas fogem do controle, nos reencontramos com o passado e choramos como crianças frustradas que pensavam que nunca iam se machucar com tal brincadeira....Sofia, por Deus, eu te amei demais! E me entregaria aos lobos como caça para morrer lutando contra as mordidas mesmo que saísse com todas as feridas ou morto pelas mandíbulas dos cães selvagens...!"
"Pode me ouvir Pedro? Eu fui um dos lobos que te caçou, fui seu predador e você venceu...você está vivo, e agora meus pulsos sangram na água quente que nos banhávamos juntos e que fazia parte do copo que bebíamos...Somos apenas duas pessoas anônimas, mas nós vivemos como qualquer outra pessoa. Sofremos, choramos, erramos, apostamos mesmo que temendo as conseqüências...Somos todos iguais, vivemos de vinho, sangue e água...."
.....Seu corpo afunda na escuridão manchada do sangue e a água transborda da banheira como uma taça de vinho entornada.....