Neste quarto a solidão

Conto enviado por: Nilze Costa e Silva

Neste quarto a solidão fala do morto, dos gritos, das unhas arranhando o espelho da cama, deixando marcas que verniz nenhum irá cobrir jamais. Neste quarto os cabelos dos meus braços se eriçam, quando sinto a sombra do velho avô morto, fazendo mímicas sepulcrais, dançando a balada grotesca dos mamulengos fantasmas. Mãos felpudas e coruscantes, pelo medo que me dão acariciam meus cabelos e nos quatro cantos do quarto o silêncio responde com acenos apenas imaginados. O vento esfria e sibila na noite. A sombra circula, alvoroçada, geme e treme. Sinto não haver lugar para me mover dentro deste quarto, os gritos gravaram-se nas paredes e circulam pelo quarto todo em ondas sonoras que ocupam todo o espaço.

Na cama, o declive da forma do corpo do moribundo, que não se mexia nunca, apenas gritava em estertores contundentes. E eram gritos que atravessavam paredes e portas fechadas, alastrando-se noite adentro. Escondo o meu medo para não perturbar o fantasma inquieto. Parece não ter encontrado a paz que os gritos suplicavam quando tentava imprimir um resto de vida no ar, respondendo às dores do corpo que alfinetavam-lhe o cérebro.

Neste quarto o morto deixou suas marcas e clama que não partiu. A colcha amassada, o declive da cama com a marca do corpo pergaminhado, o cheiro da urina que a água não conseguia lavar, deixam-me a impressão de que alguma coisa perdura, além da desintegração do corpo. As folhas espanando a janela nada mais são do que as asas dos mortos adejando lá fora, fazendo festa ao outro, em visita à antiga morada.

Que se fechem as portas deste quarto, que se deixe tudo como está, não toquem em nada, os mortos voltam, os mortos voltam saudosos e tristes. O quarto do morto, ainda mais quanto moribundo, deixou impressa no ar suas dores, gravou no corpo pergaminhado a ferro e a fogo as dobras amarelecidas do colchão que o sustinha, o quarto de um morto é um templo, onde nas noites de saudades, ele venha recordar.