Escuridão

Conto enviado por: Bernardo Pereira

Isso ocorreu no dia da final da Copa do Brasil, entre Flamengo e Santo André, no Maracanã. Após o jogo, fui num bar aqui perto de casa tomar umas e outras. Entrei e sentei numa mesa que tinha bem no fundo. Pedi uma cerveja e fiquei lá sentado. Em determinado momento, abaixei a cabeça e fechei meus olhos. Estava com um profunda dor-de-cabeça. Ao abri-los, tudo tinha sumido.

O bar, as pessoas... As únicas coisas que continuavam ali eram uma lâmpada, que pendia preguiçosamente sobre mim, a mesa à minha frente e a cadeira onde eu estava sentado. De resto, além dos limites da área iluminada pela lâmpada, apenas uma imensa e impenetrável escuridão. Por uns instantes fiquei parado, pensando no que teria ocorrido. Algum tipo de blecaute parcial? Então por que eu não ouvia ninguém falando? Na verdade, eu não ouvia nada, apenas um constante e baixo assobio. Pensei em levantar e tatear pelo escuro, mas alguma coisa me dizia que era melhor eu não sair do alcance da luz tímida e amarelada irradiada pela lâmpada sobre mim. Lá no fundo de meu cérebro, eu parecia convicto de que havia coisas na escuridão, à espreita. Por que não me atacaram então?, perguntei a mim mesmo. Do fundo do cérebro surgiu a resposta: A luz. Que quer que esteja na escuridão tem medo da luz. Foi um pensamento reconfortante, sem dúvida. Ouvi um barulho semelhante a pequenas pedras caindo num profundo poço, vindo de algum lugar à minha frente. Forcei os olhos na tentativa de ver algo, mas era impossível.

Não tinha a noção de tempo naquele local, mas devia estar ali há algumas horas. Algo que não notei na hora foi que eu estava aceitando a situação com muita naturalidade. A parte de mim que deveria estar questionando, fazendo perguntas e procurando explicações devia estar adormecida. E foi assim, perdido em pensamentos, que eu reparei que bem na minha frente, pouco depois do fim da mesa na qual eu estava, um par de olhos luminosos me encarava.

Senti o sangue gelar. Eram olhos grandes e amendoados e possuíam uma tonalidade esverdeada. Que horror seria dono daqueles olhos? Tão subitamente quanto haviam aparecido, os olhos se foram, e alguns instantes depois eu me perguntava se havia mesmo visto-os, ou se tinha imaginado tudo. Antes que pudesse chegar a qualquer conclusão, comecei a ouvir barulhos bem próximos.

Pareciam estar por todo lugar a minha volta. Eu estava cercado por criaturas daquele local. Logo, eu estava olhando por sobre os ombros, como se esperasse a qualquer momento ser atacado por algum pavoroso ser saído das sombras. Foi quando o verdadeiro horror tomou forma.

Primeiro, um som pavoroso, semelhante a um vulcão em erupção rasgou o ambiente. Depois, fez-se silêncio. Então, ouvi barulhos que denunciavam uma fuga - os seres que me cercavam fugiram. Na verdade, eles não me preocupavam mais. O que os havia espantado, isso sim me preocupava. Um vento de cheiro fétido me atingiu. De repente, vieram à minha cabeça imagens que eu havia visto em um documentário sobre a região abissal dos oceanos. Nessa região, a luz do sol não chega, e tudo fica entregue às trevas. Num lugar de trevas eternas, quando surge alguma luz, atrai a atenção imediata de todos.

Alguns peixes, inclusive, fazem uso disso para atrair pequenos peixes, por meio de pequenas extensões luminosas em seus corpos, e comê-los. Era mais ou menos isso que acontecia comigo. A luz podia me proteger, mas também chamava a atenção de todas as criaturas daquele pequeno inferno. E, pelo horrendo barulho que ouvia, parecia que eu tinha chamado a atenção de um bem grande.

Ouvi novamente o som, e logo depois, o chão começou a tremer. Que quer que fosse, vinha em minha direção. Meu primeiro impulso foi sair correndo, mas pensei melhor. Quanto tempo eu duraria no escuro? Quanto tempo até ser agarrado por algum monstro inconcebível? Resolvi naquela hora que, qual quer que fosse o desfecho disso, seria ali, sob a luz.

O barulho contínuo era, imaginava eu, o de algo imenso, arrastando-se lentamente. Imaginei um gigantesco ser vermiforme, com uma boca dotada de centenas de dentes. A medida que o som foi aproximando-se mais e mais, o horror me invadiu. Fechei os olhos fortemente. A imagem daquele titânico verme se arrastando em direção àquele pequeno pontinho de luz onde eu me encontrava crescia em minha mente. Quando o som estava quase sobre mim, abri os olhos ao mesmo tempo que soltei um grito. Estava novamente no bar.

Ainda estava sentado na cadeira, tendo a mesa em minha frente e a lâmpada pendia despreocupadamente sob minha cabeça. Todos que estavam no bar olhavam para mim. Ainda meio desconcertado, levantei-me, paguei pela cerveja, a qual eu nem tinha tomado, e fui embora. Não queria mais ficar ali.

Não tenho idéia do que aconteceu. Não sei que lugar era aquele, e talvez seja melhor assim.