Amor alem da vida

Conto enviado por: Fernanda - SP - São Paulo

Já fazia algum tempo que as coisas não iam bem entre eles. Marcos e Adriana viviam brigando por motivos bestas, mas realmente se gostavam. Mas isso já não era o bastante ultimamente.

Adriana tentava imaginar como é que as coisas tinham chegado àquele nível. No começo tudo era bom, tudo era diferente, mais colorido, cheio de amor e carinho, mas agora era tudo um pesadelo. Era só ele falar algo com ela que tudo ficava vermelho. Até um simples "bom dia" era motivo para briga.

Marcos também não entendia. Ele amava muito ela ainda, e sabia que ela também o amava, mesmo sem demonstrar, mas ele sabia que lá no fundo ela ainda o amava.

Mas o que estava acontecendo? Será que oito anos juntos tinha causado tudo aquilo? Será que a rotina tinha ofuscado o amor entre eles? Não, não era só a rotina. Tinha muito mais. Problemas. E alguns bem sérios. Problemas com emprego, dinheiro, com a família. Muito problema. E eles não estavam conseguindo lidar com isso tudo. Ao invés dos dois estarem se amparando, estavam descontando as frustrações um no outro. Já não se tocavam de uma forma mais carinhosa a quase um ano. Faziam de tudo para se evitarem.

Mas foi dela que partiu a iniciativa. Um dia Marcos chegou em casa e viu algumas malas cheias na sala. Provavelmente roupa, ele pensou. Ele não ficou surpreso, já esperava isso a algum tempo, e até sentiu uma pontada de alívio, era um passo muito grande para se dar, e ele não estava pronto para a responsabilidade que vinha com isso.

Ele bateu a porta de entrada e ela veio do quarto, com os olhos vermelhos. Provavelmente tinha chorado o dia inteiro. Ele sabia que tinha culpa nisso e se sentiu mal, pois lá no fundo ainda a amava, e muito.

Ele perguntou para ela se ela estava indo embora. "Não" ela falou, "você está." Ao ouvir aquelas palavras Marcos ficou furioso, e eles começaram a discutir de novo. "Eu não vou sair! Aqui é a minha casa!" ele falou "Eu achei esse apartamento, e nos últimos meses quem está pagando o aluguel sou eu! Você vai embora!" ela respondeu. A discussão rolou por muito tempo. Palavras foram ditas, que mais tarde eles se arrependeriam de ter pronunciado, verdades foram jogadas na cara um do outro e até nomes foram ditos. Depois de horas de discussão, não havia mais nada a ser dito. O tempo se passou, sem que eles percebessem. Até que Marcos quebrou o silêncio "E para onde você quer que eu vá? Eu não tenho para onde ir agora. Você sabe disso. Nem dinheiro para um quarto de hotel vagabundo eu tenho." "Eu não me importo, só quero que você vá. Não me importo, só me deixa sozinha" Adriana falou com os olhos cheio de lágrimas, e ela sabia que estava mentindo, sabia que se importava e se preocupava com ele. A ultima coisa que ela queria era realmente ficar sozinha. Marcos simplesmente pegou as malas e saiu pela porta batendo ela com força. Enquanto ele esperava o elevador, ele a ouviu chorando baixinho, e teve vontade de entrar e abraçar ela e se desculpar, mas nem sempre fazemos a coisa certa. Ele não iria ferir o seu orgulho voltando para ela depois de tudo o que ela tinha dito. Simplesmente entrou no elevador e foi embora.

O tempo foi passando e Adriana não teve mais noticias de Marcos. Ele não ligou para ela e ela não tinha idéia de onde ele estava. Ela ia o trabalho e quando voltava encontrava o apartamento vazio, do jeito que ela tinha deixado ele. Nenhum sinal de que Marcos estivera lá. O tempo foi passando e ela foi começando a notar que mesmo as coisas estando ruim entre eles, sempre tinha alguns poucos momentos confortáveis e preciosos, pequenos gestos de carinho que antes passavam desapercebidos mas que agora faziam falta. O cheiro do café de manhã, que ele fazia para ela, o cheiro da loção pós barba no travesseiro ao lado na hora de dormir, a cantoria que ele fazia quando estava tomando banho (apesar de as vezes ser bem irritante, ela sentia muita falta disso agora). Pequenos gestos na rotina, que agora ela via ajudava a vida a ser um pouco melhor.

Dias viraram semanas, e semanas viraram meses, e Adriana não sabia nada de Marcos. Onde ele tinha ido, como ele estava, se tinha encontrado alguém "Provavelmente deve ter se enroscado com alguma galinha." Sempre que ela pensava isso ela ficava nervosa e sentia o rosto ficar quente. Ela sabia que devia tocar a vida também, seguir em frente. Afinal foi ela que colocou ele para fora, mas ela simplesmente não conseguia. Não queria outro homem. Ela queria Marcos.

Algum tempo se passou (já fazia quase um ano que Marcos tinha ido embora) e ela encontrou com um amigo deles, um amigo que fazia tempo que ela não via. Ela ficou contente, provavelmente ele devia ter noticias do Marcos, onde ele estava, como ele estava, se tinha arranjado alguém e principalmente se ele tinha falado algo sobre ela, se sentia tanta falta dela como ela sentia dele. "É, ele ta mais ou menos, arranjou um emprego, não é grande coisa, mas ta se virando. Ele passou um tempo na casa de um amigo dele depois que vocês brigaram, mas depois de algum tempo ele se mandou. A última vez que eu vi o cara ele não tava com uma aparência legal não, tava meio deprê." "E ele ta saindo com alguém?" "Olha faz tempo que eu vi ele pela última vez, mas ele tava sozinho. Não arranjou ninguém não, nessa área o cara ta muito ruim. Ta bem sozinho mesmo, você era o amor da vida dele, não sei o que foi que deu errado com vocês" e nem ela sabia. Mas pelo menos ele não tava saindo com ninguém. Mas antes dela perguntar se Marcos tinha falado algo sobre ela, o amigo deles teve que ir, estava atrasado. Essa é a vida na cidade grande, todos sempre atrasados, mas isso não importava, ele não tinha arranjado ninguém. Estava tão sozinho quanto ela. Não era exatamente uma boa noticia, mas pelo menos não estava com nenhuma galinha. Mas porque ele não tinha ligado para ela? Porque não tinha tentado voltar para ela? Será que ela tinha sido muito dura com ele?

Mais algum tempo se passou e a vida de Adriana não estava indo muito bem. A solidão em casa estava acabando com ela. Ela começou a se distanciar dos poucos amigos que restaram e as coisas no trabalho não estavam indo muito bem. Ela tinha tentado achar Marcos, mas ninguém parecia saber onde ele estava, tinha simplesmente sumido. Já fazia alguns meses que ninguém via ele.

Ela começou a entrar em depressão. Sentia falta dele e viu o erro que foi botar ele para fora de casa. Sentia falta do abraço dele, da voz dele. Sentia falta do calor dele. Adriana passou a ficar cada vez mais deprimida e começou a faltar no trabalho. Quase não saia de casa. Só queria que Marcos voltasse. Ela pediria desculpa por tudo o que tinha dito, perdoaria qualquer coisa que precisasse ser perdoada, só queria Marcos de volta. "Se eu sou o amor da vida dele, porque ele não volta para mim?" era o que ela mais se perguntava. Quase não comia mais, tinha perdido muito peso. Depois de alguns dias, ela passou a ficar em casa o tempo todo, praticamente abandonara o trabalho. Ficava ouvindo musica o dia todo sem sair da cama. Agora ela era apenas uma sombra do que já tinha sido. Quase não tinha carne nos ossos, estava pálida. A beleza que era o seu rosto agora era um simples rascunho do que já tinha sido, e estava sempre manchado pelas lágrimas. Ninguém conseguia tirar ela de lá. Apenas uma pessoa poderia ajudar ela, o seu grande amor.

E foi numa tarde de julho que aconteceu. Estava frio, muito frio. O sol já tinha quase se posto, apenas alguns raios riscavam o horizonte. Adriana estava deitada na cama, embaixo do cobertor, com frio, querendo que marcos tivesse ali para esquentá-la. A luz do quarto estava apagada. O apartamento inteiro estava escuro. O silêncio era grande, interrompido apenas por um soluço ou outro que vinha de Adriana. Uma leve brisa fria entrou pelo quarto e fez as cortinas dançarem. Ela achou graça. Pelo menos alguma coisa naquele apartamento parecia estar mais alegre. Foi quando ela viu as primeiras estrelas no céu que ela percebeu algo de estranho na janela. Não chegava a ser uma luz, era um brilho fraco, não parecia estar centralizado em algum lugar, parecia uma nuvem. Um arrepio correu pela coluna dela, desde a ponta de baixo até acima da nuca. Os pelos dos braços levantaram e ela sentiu isso acontecer pelo corpo inteiro, um arrepio que começou no seu peito e se espalhou para o resto, como um onda. Aquele brilho fraco que entrava pela janela, aquela fumaça luminosa, ia começando a tomar forma. O quarto dela nunca parecera tão frio quanto naquele momento.

Lágrimas escorriam pelos seu rosto quando ela viu aquela névoa formar o rosto de Marcos. Naquele momento ela sabia porque ele nunca ligara para ela, porque ninguém sabia mais dele. O que tinha acontecido com ele? Não importava agora. Ele estava ali com ela, e isso era tudo o que ela queria. Ele estendeu a mão para ela, uma mão quase invisível, com um brilho fraco. Ela não sabia o que fazer. Então o rosto de marcos produziu um sorriso, e como um espelho, o rosto de Adriana fez o mesmo. "Venha, não tenha medo! Ficaremos juntos para sempre, como devia ter sido desde o começo!" Era a voz dele, mas não vinha dele. Vinha de todos os lados, vinha de dentro dela. O frio estava quase insuportável. "Venha, seremos livres e felizes! Nunca mais teremos problema nenhum! Eu serei o seu Romeu e você será a minha Julieta! Venha!" Ela sabia o que significava aceitar aquela proposta. Mas ele estava ali e isso era tudo o que importava para ela. Mas ela queria mais. Queria estar com ele para sempre. Ela tirou a sua mão, que agora estava magra, sem cor, e em força e alcançou a dele. Quando as duas mãos se encontraram o frio era quase que insuportável. Chegava a queimar. Ele começou a se aproximar, puxando ela levemente, tirando ela do seu abrigo em baixo do cobertor. Ela chegou tão perto dele que podia sentir o seu cheiro, o cheiro da loção pós barba que sentira tanta falta. Os seus lábios se encontraram e numa fração de segundo, o frio foi embora. Agora ela sentia o calor do corpo dele contra o seu, sentia a força voltar aos seus braços e as suas pernas, a cor voltou para a sua pele e o seu rosto era belo novamente, os dois ficaram abraçados num beijo apaixonado por muito tempo. Segundos? Minutos? Horas? Não importava agora. O tempo já não tinha mais controle sobre ela, agora ela estava livre. Naquela noite os dois amantes se encontraram novamente e se foram juntos, juntos para sempre, como era para ter sido desde o começo!